Estas vitórias, e o exemplo que elas têm representado, serão as conquistas mais valiosas da crise grega, e isso independentemente de seu desfecho.
Seja qual for o resultado da reunião do Eurogrupo, está claro que o governo grego – chamado de maneira imprópria de “governo de esquerda radical” ou “governo do Syriza”, mas na realidade um governo de união (e o fato de que essa união ter sido feita com o partido soberanista ANEL é significativo) – já obteve êxitos espetaculares. O sucesso é bom tanto para a Grécia, onde o povo recuperou sua dignidade, quanto para os outros países europeus, onde o exemplo deste governo mostra o caminho a seguir. Mas, e isto é o mais importante, este governo – na luta sem tréguas que travou contra o que eufemisticamente chamam de “instituições”, ou seja, principalmente o aparelho político-econômico da União Europeia, do Eurogrupo, da Comissão Europeia e do Banco Central Europeu – mostrou que o “rei está nu”. Toda a estrutura, complexa e pouco transparente deste aparelho político-econômico foi desafiada a responder a uma demanda política, e se mostrou incapaz de fazê-lo. A imagem da União Europeia foi fundamentalmente alterada. Qualquer que seja o resultado das próximas reuniões, que resulte na constatação de um fracasso ou numa capitulação da Alemanha e da corrente da austeridade, ou até mesmo, o que não podemos excluir, na derrota do governo grego, o aparato político e econômico da União Europeia terá exposto abertamente sua nocividade, incompetência e ganância. Os povos dos países europeus agora sabem quem é seu pior inimigo.
A estratégia da União Europeia
O governo grego, no decurso das negociações que começaram no fim de janeiro, foi confrontado com a posição inflexível dessas “instituições”. Mas essa inflexibilidade reflete mais uma trágica falta de estratégia, e a busca de objetivos contraditórios, do que uma vontade real. De fato, compreendemos que estas “instituições” não tinham nenhuma intenção de ceder no princípio da Euro-austeridade, uma política de austeridade na escala europeia criada sob o pretexto de “salvar o euro”. Para isso, recusaram a priori as propostas do governo grego, que eram, no entanto, razoáveis, como muitos economistas apontaram. As propostas apresentadas por essas “instituições” foram descritas como o equivalente econômico da invasão do Iraque em 2003 por um colunista que não está à esquerda no espectro político. É preciso ver esta recusa como uma admissão de fracasso terrível. A posição foi defendida publicamente pelos representantes da União Europeia, mesmo que ela não tivesse nenhuma base na realidade, e que se apoiasse unicamente na mais estreita ideologia. Estes representantes foram incapazes de mudar suas posições e se aferraram em argumentos muitas vezes falsos, da mesma forma como o governo dos EUA foi irredutível sobre a questão das armas de destruição em massa atribuídas a Saddam Hussein.
Ao mesmo tempo, estas “instituições” sempre proclamaram sua vontade de manter a Grécia na Zona do Euro. É preciso compreender aqui o tamanho do paradoxo: diz-se uma coisa e se faz tudo para que o oposto ocorra. Porque, se os países do Eurogrupo realmente queriam que a Grécia permanecesse na Zona do Euro, deviam reconhecer que o país precisava de um esforço de investimento ao longo de vários anos, e que era, portanto, necessário que o Eurogrupo financiasse este plano de investimento. Assim, com dois objetivos contraditórios (a austeridade e a vontade de manter a Grécia na Zona do Euro), é muito provável que as “instituições” percam ambas as apostas. A Grécia vai sair na prática da Zona do Euro e a política de “Euro-austeridade” será posta em xeque, com consequências políticas tanto na Espanha como na Itália.
Tendo resistido firmemente às demandas das “instituições” europeias, o governo grego expõe a céu aberto a contradição da política da UE. Com sua atitude, salienta a incoerência desta política. Mas também deixa outra coisa bastante evidente: a má-formação congênita da Zona do Euro.
Euro, o perigoso nanico monetário
Então é preciso compreender por que as “instituições”, e dentro delas as personalidades políticas como Angela Merkel, Jean-Claude Juncker e François Hollande, foram incapazes de ver que, sem este grande plano de investimentos que permitiria que o sistema produtivo grego recuperasse a competitividade anterior à introdução do euro, a Grécia não poderia sobreviver na Zona do Euro. A resposta é muito simples: esta fragilidade é intrínseca à Zona do Euro, que demandou ainda um alto investimento político e simbólico dos líderes que consentiram em sua consolidação.
O Euro se apresenta como uma “moeda comum” para os países que a utilizam. Isto se reflete na estrutura técnica da moeda. A existência de contas target2 e da compensação entre o euro “alemão”, “francês”, “italiano” ou “grego”, mostra bem que não estamos diante de uma verdadeira “moeda única”, mas de um sistema que estabelece uma regra de ferro quanto à paridade relativa das moedas. Na verdade, o Euro é um regime de câmbio fixo (como foi o padrão ouro) disfarçado de moeda única, uma vez que não existe federalismo orçamentário, fiscal ou social. A construção deste federalismo econômico é uma das condições necessárias para que uma moeda única possa funcionar em territórios tão heterogêneos(1).
Provou-se falsa a ideia de que a introdução do euro, na ausência das instituições federais, levaria ao movimento político que por sua vez possibilitaria a construção destas instituições. Tenho o maior respeito por aqueles que, entre os economistas, continuam a defender a implementação destas instituições federais, mas tal respeito é muito mais por sua obstinação do que por sua inteligência. São obstinados, mas a realidade tem falado mais alto. Não haverá construção federal, e o Euro será condenado a ser um mero nanico monetário cuja sobrevivência só gera crises em série. E foi o governo grego quem nos fez o favor de desmascarar este sistema.
O Euro, falsa “moeda única”
O governo grego deixou claro um terceiro ponto: a fragilidade intrínseca do Euro. Se há alguém ciente da extrema fragilidade da Zona do Euro, como destaquei em um artigo de 2006, é o próprio presidente do Banco Central Europeu, Sr. Mario Draghi. É preciso ouvir e ler o que ele disse na coletiva de imprensa que deu em novembro de 2014: “Deve ficar claro que o sucesso da união monetária em qualquer lugar depende do sucesso em todos os lugares. O Euro é – e deve ser – irrevogável em todos os Estados membros, não apenas porque assim dizem os Tratados, mas porque, sem isto, não pode haver uma verdadeira moeda única”.
É uma declaração de extrema importância. Draghi diz que um fracasso local do euro implicaria em um fracasso global. Mas nada, em teoria econômica, confirma sua afirmação. Quando o Estado livre da Irlanda se separou do Reino Unido, a libra esterlina não entrou em crise. Se amanhã a Caxemira saísse da União Indiana e adotasse sua própria moeda, a Rúpia não estaria em risco nos outros estados da União Indiana. Mas o que disse Draghi, mesmo que inconsistente com a teoria e a prática das uniões monetárias, realmente vale para o caso do Euro. Isto porque o euro não é uma união monetária completa, e não pode ser no mundo real, sendo apenas um subterfúgio para que os países europeus adotem uma regra de estabilidade das paridades monetárias, da qual a Alemanha precisava para desenvolver seu comércio e sua economia. Sem mecanismos para garantir o cumprimento da união monetária – e sabemos que isto implicaria em transferências substanciais dos países do norte da Europa (especialmente da Alemanha) para os países do sul da Europa – o euro continuará incompleto, um nanico monetário. É por esta razão que os líderes europeus estão tão perturbados com a perspectiva do “Grexit”, a saída da Grécia da Zona do Euro. Esta perspectiva não é um cenário apocalíptico, como faz parecer o presidente do Banco Central da Grécia, cujo jogo político perverso está bem claro. Cresce o número de vozes que começam a dizer que a saída da Zona do Euro poderia ser um mal menor para a Grécia. Devemos mais esta ao governo grego.
Em relação a estes três pontos, é evidente, portanto, que o governo grego já obteve vitórias importantes. Estas vitórias, e o exemplo que ele tem representado – tanto internamente, com a decisão dos líderes do Syriza de se aliar com os soberanistas do ANEL, quanto externamente, por seu comportamento diante das “instituições” – serão as conquistas mais valiosas da crise grega, e isso independentemente de seu desfecho.
Tradução de Clarisse Meireles
Fonte: Carta Maior