02-06-2013cuttingfemales

O Observatório dos Direitos Humanos (ODH) português tomou conhecimento através da imprensa escrita de um caso de mutilação genital feminina praticado no estrangeiro sobre uma menor de origem africana, residente em Portugal. Esse caso deu origem a um inquérito criminal que veio a ser arquivado por falta de competência territorial dos tribunais portugueses para conhecer do crime em questão.

 
Essa situação levou o ODH a procurar apurar se teria havido uma violação dos direitos humanos desta menor, neste caso por omissão, da parte do Estado português, quer enquanto administrador da Justiça quer como legislador, atendendo a que o crime de que a mesma foi vítima ficou sem punição.
No seu relatório, o ODH fez o enquadramento jurídico da situação, procurando dar resposta às questões acima suscitadas, tendo ainda equacionado se haveria uma violação do direito à identidade cultural por parte do Estado-legislador.

 
Nas respectivas conclusões, o ODH sustenta que existe uma lacuna legal na protecção pela via penal das vítimas de mutilação genital feminina, nomeadamente nos casos em que a mesma é praticada fora do território nacional, que justifica a criação de um tipo autónomo de crime, por forma a prevenir e reprimir a sua prática. Além disso, conclui que a figura do crime de mutilação genital feminina não ofende, por si só, o direito à identidade cultural das minorias étnicas residentes em território nacional que a praticam, mas que o contexto cultural deve ser uma circunstância atenuante ou até desculpante a ter em conta no julgamento deste novo tipo de crime.

 
Nesse sentido, assinalando-se hoje o Dia Internacional da Tolerância Zero à Mutilação Genital Feminina, o ODH saúda a iniciativa legislativa actualmente em curso na Assembleia da República no sentido de criar o tipo legal de crime de mutilação genital feminina, mas recomenda que se evite a estigmatização das comunidades que a praticam tradicionalmente e que se tenha em conta o seu contexto cultural como factor atenuante da sua culpa.
A versão integral deste relatório pode ser consultada no sítio na Internet do ODH: www.observatoriodireitoshumanos.net.

 
É de salientar que só no último ano foram notificados às autoridades 43 casos de mutilação genital feminina, que foram detetados pelos profissionais de saúde em mulheres adultas residentes em Portugal, no âmbito do III Programa de Ação e para a Prevenção e Eliminação da MGF 2014-2017. Porém, esses casos ocorreram há já muitos anos atrás, quando as mesmas eram pequenas, pelo que os crimes já terão prescrito. Desde há um ano, através da articulação entre as instituições de saúde e as comissões de proteção de crianças e jovens e destas com o Ministério Público, o Estado português tem vindo a apostar na prevenção e dissuasão deste tipo de prática, no quadro das suas obrigações como parte da Convenção de Istambul sobre esta matéria.