Governo regional tenta convencer eleitores a participar de pleito que, considerado ilegal por Madri, não tem caráter vinculativo. Separatistas esperam que resultado neste domingo possa fortalecer luta por autonomia.
Grandes telões montados nas ruas de Barcelona transmitem imagens da queda do Muro de Berlim e de Nelson Mandela derrubando o apartheid sul-africano, e visam provocar associações com a própria “luta pela liberdade” dos catalães. A região no nordeste da Espanha se prepara para uma votação neste domingo (09/11) que visa medir o desejo da população local em relação a uma eventual separação da Espanha e a formação de um novo país na Europa.
A capital catalã, Barcelona, foi transformada em um enorme comício pró-independência, com discursos inflamados, concertos de músicas folclóricas tradicionais da região e famílias inteiras cobertas com bandeiras catalãs. Uma ampla avenida central foi fechada ao trânsito, onde telões mostram imagens de Berlim 25 anos atrás, justapostas com imagens de própria história da Catalunha.
“Prefiro ser um catalão de primeira classe que um espanhol de terceira classe!”, diz Marc-Ignasi Corral-Baqués, um médico de 49 anos que se juntou à multidão. “O governo espanhol não nos trata igualmente. Ele não respeita nossa cultura. Touradas e flamenco não é minha cultura. Isso é a Espanha, não nós.”
Os catalães vão às urnas para responder a duas perguntas: “Você quer que a Catalunha seja um Estado? Caso positivo, você quer que esse Estado seja independente?”
Com sua própria língua e cultura, os catalães vêm buscando há tempos autonomia em relação ao governo central espanhol. Mas esta é a primeira vez que eles estão votando de forma explícita sobre a questão, bem como sobre a possibilidade de ser independente e formar um país completamente novo. A votação poderá ser usada para negociar um novo pacto fiscal com Madri, se não a independência.
Dificuldades para chamar eleitores
O comparecimento às urnas é fundamental, já que o objetivo da votação é realmente refletir os desejos dos catalães para o futuro. Mas a situação ficou complicada, depois que Madri declarou todo o processo ilegal. Mesmo os líderes catalães reconhecem que o voto não é vinculativo, ou seja, é informal e não oficial. Eles o chamam de “processo participativo”, e não de referendo. Nenhuma mudança política é obrigatória depois do pleito.
“O que fortaleceu a situação dos escoceses é que você teve mais de 85% de participação [no referendo de independência da Escócia, em setembro]”, afirma Enric Ucelay-Da Cal, historiador da Universidade Pompeu Fabra, em Barcelona. “Então, como é que você vai conseguir que pessoas que não estão mobilizadas votem, se o voto é não vinculativo de qualquer maneira? Muitos vão pensar ‘tenho coisas melhores para fazer'”, lamenta.
Durante os três dias que antecederam a votação de domingo, ativistas montaram uma bancada no centro de Barcelona, em que voluntários, com ajuda do catálogo telefônico, telefonaram para moradores incentivando-os a votar e explicando onde eles poderiam fazê-lo. “A coisa mais importante é que as pessoas tenham a informação necessária para decidir”, afirma Maria Medina Roca, uma voluntária que telefonou para centenas de casas.
O governo regional catalão recrutou voluntários como Maria para administrar a votação de domingo depois que a Justiça da Espanha ordenou a interrupção dos preparativos para o escrutínio. Os voluntários têm substituído os funcionários públicos, que se estariam se arriscando a violar a lei espanhola se fossem trabalhar nos locais de votação.
Mais de 1.300 pontos de votação foram instalados em toda a Catalunha – mas muitos não estão nas mesmas escolas e prédios públicos que geralmente abrigam eleições regulares.
Embora o governo espanhol tenha declarado repetidamente que a votação catalã é ilegal, o primeiro-ministro Mariano Rajoy parece ter pouco recurso para evitar o pleito, a não ser com o uso da força, o que não cairia bem em uma democracia europeia moderna.
“Adoraríamos ter imagens da polícia espanhola vindo aqui para retirar as urnas”, ironiza Miquel Strubell, professor universitário aposentado e ativista catalão. “Mas Rajoy é astuto o suficiente para perceber que isso seria desastroso.”
Região dividida
Pesquisas de opinião mostram que a grande maioria de catalães é a favor da realização desta votação sobre a independência, apesar da oposição de Madri. Entretanto, as sondagens também mostram que a sociedade catalã está dividida ao meio com relação à possibilidade de separação da Espanha.
Em um prédio de escritórios de Barcelona longe da agitação das manifestações de rua pró-independência, um grupo de catalães leu um manifesto contra a independência, diante de um punhado de câmeras de TV. “Isto não é um referendo, nem uma consulta, nem mesmo o culminar de um chamado processo participativo”, declarou Joaquim Coll, vice-presidente da Societat Civil Catalana, um grupo de oposição à votação de domingo. Falando catalão, ele foi taxativo. “É um mero ato de propaganda. E nós desencorajamos os catalães a participar ou colaborar com este ato.”
Coll acusa o governo regional da Catalunha de usar prédios públicos e dinheiro dos contribuintes para uma causa partidária, que não reflete os desejos de todos os catalães. Não há dados sobre quantos moradores da região compartilham do ponto de vista de Coll.
“Às vezes, parece que na Catalunha só existem pessoas que querem a independência. Mas não é assim!”, garante Susana Beltran, outro membro do mesmo grupo. Ela afirma sentir pressão social para se juntar ao movimento pró-independência. “O problema é que as pessoas que não a querem têm medo de falar. Eles não querem problemas com os amigos, com o trabalho, na vida em geral.”
É fato que Catalunha tem sua própria identidade cultural, distinta e forte, reforçada após quase quatro décadas de repressão do ditador militar espanhol Francisco Franco, que morreu em 1975. Sob seu governo, a língua e os feriados catalães foram proibidos.
No entanto, apenas uma pequena minoria apoiava a ideia de independência até três anos atrás, quando foi iniciada uma onda de sentimento pró-independência em meio à crise econômica da Espanha. Muitos catalães acreditam que sua rica região tem subsidiado injustamente regiões mais pobres da Espanha. Para muitos, é o arranjo econômico – e não a identidade cultural, ou a história – que alimenta o sentimento separatista.
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