Governo iraniano se distancia do premiê Nuri al-Maliki e dá seu aval para uma mudança na liderança do país vizinho. Ingerência do governo xiita de Teerã sobre Bagdá vem crescendo desde a queda de Saddam Hussein, em 2003.

 

O primeiro-ministro iraquiano, Nuri al-Maliki, já teve o governo iraniano do seu lado. Em sua primeira eleição para o cargo, em 2006, ele contava com o aval de Teerã. Na luta contra extremistas sunitas, o xiita Maliki também tinha o apoio do país xiita vizinho. Mas agora a liderança iraniana se distancia dele, que rejeita uma reconciliação nacional e atiça os conflitos internos do país.

Na terça-feira (12/08), o Conselho de Segurança Nacional do Irã selou a mudança de rumo, ao anunciar que o país apoia o processo parlamentar de substituição do chefe de governo. Isso afasta a possibilidade de um terceiro mandato, almejado por Maliki desde a eleição legislativa de abril.

Em vez disso, agora quem pode ter esperanças de cair nas graças de Teerã é o vice-presidente do parlamento, Haidar al-Abadi, encarregado na segunda-feira, pelo presidente iraquiano, Fuad Masum, de formar o novo governo em Bagdá.

Desde a queda do ditador Saddam Hussein, em 2003, o Irã vem se intrometendo maciçamente nos assuntos do país vizinho. Segundo o cientista político especializado no Iraque Ferhad Seyder, da Universidade de Erfurt, essa influência tem raízes até mais antigas.

Durante o governo de Saddam Hussein, entre 1979 e 2003, a maioria xiita no Iraque foi muitas vezes reprimida, e muitos fugiram para o vizinho Irã. “Isso fez com que se formassem relações estreitas”, relata Seyder, em entrevista à DW. Desde então, Teerã tem contato sólido com quase todos os partidos, movimentos, organizações e milícias xiitas no Iraque. Também a União Patriótica do Curdistão, um dos dois principais movimentos curdos no norte do Iraque, tem boas ligações com o Irã.

Influência política, militar e religiosa

Teerã pode influenciar em diferentes níveis o desenrolar dos acontecimentos no Iraque. Em primeiro lugar, está a política. “O Irã tem boas relações, especialmente com o partido Dawa, ao qual pertencem Maliki e também o futuro premiê Abadi”, diz Lina Khatib, diretora do Centro para o Oriente Médio da Fundação Carnegie, em Beirute.

Além disso, no nível militar o Irã apoia tanto o Exército iraquiano quanto militantes xiitas. Em terceiro lugar, de acordo com Khatib, está a estreita ligação religiosa entre os xiitas dos dois países do Golfo Pérsico. Nas cidades iraquianas de Najaf e Karbala estão os mais importantes santuários xiitas, para onde peregrinam todos os anos centenas de milhares de iraquianos e iranianos.

Teerã tenta dar as cartas sobretudo na política iraquiana. “Seria impensável um primeiro-ministro do Iraque ser eleito sem a bênção do Irã”, como se demonstra agora no caso de Maliki. “Por outro lado, no entanto, isso não quer dizer que Teerã controle tudo”, sublinha a especialista em Oriente Médio.

Existem, por exemplo, líderes religiosos no Iraque, como o altamente influente aiatolá xiita Ali Sistani, que não admitem se subordinar a clérigos iranianos. Sistani resiste abertamente a interferências do Irã no Iraque, também no nível político.

O politólogo Ferhad Seyder tampouco acredita que o governo xiita em Bagdá seja uma marionete do Irã. “Aí se veem os limites da influência iraniana”, aponta, referindo-se à luta em torno do novo primeiro-ministro, em curso desde abril.

Já na época o Irã não queria Nuri al-Maliki no posto. Embora o poderoso general iraniano Kassim Soleimani venha moderando a crise no Iraque há meses, Maliki não é tão fácil de se tirar do poder, ressalta Seyder. “Quando uma força política iraquiana se opõe, o Irã também não é capaz de fazer milagres.”

Crescente xiita

A República Islâmica do Irã tem quase quatro vezes o tamanho do Iraque e cerca de três vezes mais habitantes. Para Teerã, o vizinho também é importante em termos estratégicos, por ser um membro de ligação do chamado “Crescente Xiita”, explica Ferhad Seyder.

Essa área em forma de lua crescente se estende desde os xiitas no Líbano, passando pela Síria e o Iraque, até o Irã. “Esse é um projeto muito caro. Investiram-se muito esforço e dinheiro para manter a influência do Irã aí”, comenta o especialista em assuntos iraquianos.

Os interesses políticos, estratégicos e religiosos do Irã no Iraque estão agora ameaçados pelo avanço da milícia sunita terrorista “Estado Islâmico” (EI). Para deter os extremistas, os iranianos se unem justamente com seu arquirrival, os Estados Unidos. Ambos encontraram um inimigo comum no EI, que controla grandes áreas do norte e oeste do Iraque e ameaça santuários xiitas.

De acordo com Lina Khatib, da Fundação Carnegie, unidades de elite da Guarda Republicana do Irã já combatem as milícias radicais sunitas. Agora, os EUA também realizaram ataques aéreos contra as tropas do “Estado Islâmico”. Tanto o Irã como os Estados Unidos apoiam o governo central em Bagdá e os curdos, na luta contra os extremistas. Segundo Khatib, a colaboração oferece uma possibilidade para que o Irã, através de seu engajamento no Iraque, retome o diálogo com os Estados Unidos.

 

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