A incrível Primavera Árabe, que teve no Cairo seu epicentro, a Praça Tahir, ocupada por meses, um frenesi de liberdade, de voracidade democrática, deu voltas e piruetas e acabou com a eleição de um militar golpista como presidente do Egito. Será uma peculiaridade do caso egípcio?
Na Tailândia, um governo conturbado, acusado de corrupção, é afastado pelos militares, que tomam o poder, com ânimo provisório, isso é o que eles dizem. Nesse país, havia uma democracia em funcionamento. Será uma peculiaridade do caso tailandês?
Os dois casos podem ser insuficientes para sustentar uma análise ampla, mas chamam a atenção para um fato preocupante: a presença dos militares na política. Por que preocupante? Por que a democracia é, por definição, um regime civil. Se os militares exercem poder, pela via eleitoral (amparado na democracia), algo não vai bem; se exercem o poder se impondo pela força, sob o pretexto de manter ou restabelecer a ordem (uma anomalia), algo vai muito mal.
Houve casos de líderes políticos em países democráticos, como foi o General De Gaulle, na França. Mas nesse caso, tratava-se de herói de guerra, oriundo da resistência contra o Nazismo. Terá sido uma peculiaridade francesa, com seu histórico napoleônico?
Na América Latina, as ditaduras militares que perduraram até o final dos anos 1980 se mantiveram em pé na lógica da Guerra Fria e, décadas depois de seu fim, suas sequelas ainda hoje se fazem sentir na população. A submissão dos militares ao poder civil, a proibição de fazer política partidária, são princípios constitucionais de todos os regimes democráticos do continente, uma conquista a ser defendida com todas as forças…
O apelo à eleição de militares para o governo se ampara muitas vezes em que eles tem credibilidade na população, que não estariam sujeitos à corrupção, e cultivam valores morais e patrióticos, que fazem bem à nação. Seriam eles, então, uma reserva política de poder “virtuoso”? Há um evidente perigo em dar crédito a essa ideia. Em que pese o contexto egípcio, o retorno de seus militares ao poder é um indicador de que eles estão mais preocupados em manter seus privilégios e seus benefícios, à custa da democracia e da liberdade. E essa postura não parece ser uma peculiaridade egípcia.