Cada vez mais ferramentas digitais são criadas, que permitem trabalhar em colaboração com muitas pessoas em uma mesma rede.
Graças à soma de inteligencias individuais de usuários e utilizando licenças livres, esses programas podem ser redesenhados e melhorados.
Apresentamos aqui uma ampla seleção dessas novas ferramentas colaborativas.
Miguel Arana Catania / Carlos Barragán del Rey
Estamos entrando em nova etapa da história. Até agora, o progresso da humanidade esteve limitado por um mundo físico e biológico de que não podíamos escapar. Não podíamos pensar sozinhos além dos limites de nosso cérebro, nem podíamos pensar juntos além dos limites de nossa organização. E esse limites não vão muito longe. Com quantas pessoas poderíamos fazer um debate cara a cara sem que vire um caos, sendo possível chegar a um consenso? 10? 20? Talvez 100. Já nos custou um trabalho titânico dar cada pequeno passo à frente como sociedade.
Agora, sem embargo, vivemos uma explosão da criação de novas ferramentas digitais na internet que nos permitem transcender esses limites. Cada nova ferramenta que se desenha nos permite pensar e interatuar juntos de maneiras que antes não existiam. E dessa maneira produzir efeitos essencialmente novos na sociedade.
Cada ferramenta é um novo tipo de cérebro digital, que possibilita uma nova forma de inteligência coletiva. Cérebros funcionando graças a uma soma de inteligências individuais de todos os usuários, e que graças às licenças livres, podem ser redesenhados e melhorados de vez em vez a si mesmos, em um processo de retro-alimetação sem fim. Se a aparição da inteligência humana foi capaz de mudar radicalmente esse planeta, não podemos nem imaginar os efeitos que podem produzir essas novas inteligências.
A seguir, apresentamos uma ampla seleção dessas novas ferramentas. São os primeiros torpes passos na direção da inteligência coletiva, porém a partir delas é possível intuir e imaginar futuros fascinantes. Esperamos que, ao vê-las todas juntas, seja possível abstrair o comportamento ou uso particular de cada uma delas, e ver mais facilmente os diferentes processos de inteligência coletiva que cada uma produz e sua posição no mapa comum do pensamento. Iniciemos então com esse tratado da neurologia digital:
Ferramentas para Escrita
Titanpad
[Software livre: Apache License 2.0]
Ao abrir um titanpad, tudo o que se escreve nele poderá ser lido e modificado em tempo real por todas as demais pessoas que estejam nele. Sem necessidade de se registrar, fica muito cômodo e rápido escrever um texto colaborativo em que todos participam no mesmo nível, sem hierarquias. Usado desde a organização de campanhas na internet até escrever novelas, como no caso do “Este libro se autodestruirá“.
Co-ment
[Software livre: AGPLv3]
Graças a essa ferramenta, podemos receber os comentários de qualquer pessoa sobre cada parte de um texto já escrito, e assim visualizar facilmente partes conflitantes, sugestões de melhorias, etc. Co-ment é o sucessor do Stet [Software Livre: AGPLv3], que foi utilizada pa redigir a versão final da licença copyleft mais usada, a GPLv3. A própria comunidade da internet decide em comum como deveriam ser as leis que regem o mundo.
[Software livre: AGPLv3]
Amara é um bom exemplo do tipo anterior de ferramentas de escrita coletiva, aplicado em um caso mais específico. Nesse caso, permite legendar vídeos. Cada pessoa pode traduzir uma pequena parte de uma legenda, sendo completo pouco a pouco entre todos numa multitude de idiomas. Uma ajuda para romper as barreiras idiomáticas que tanto isolam e dividem a inteligência, apesar da conexão que a internet nos oferece.
Ferramentas para Tomada de Decisões
[Software privado]
Acessado através do celular ou da web, permite que diante de uma pergunta lançada pelo administrador de cada grupo, milhares de pessoas decidam de maneira muito simples uma resposta satisfatória para a grande maioria. O interessante é que cada um dos usuários pode propor uma resposta diferente, e só é necessário avaliar 3 das demais respostas para chegar a um resultado final com um apoio global, que em média oscila entre 80% e 90%. É como uma votação, porém em que as possíveis opções a serem votadas por vez são decididas pelos usuários, sem nenhum limite.
Já foi utilizado ao vivo no Big Brother por 90.000 pessoas para comunicar-se desde o programa até os espectadores, e permitiu que esses se rebelassem contra as perguntas lançadas, e começassem a marcar o rítmo e a direção do programa que queriam.
[media-credit name=”http://images.eldiario.es/” align=”aligncenter” width=”643″]
[/media-credit]
[Software livre: licença MIT]
Uma das plataformas de debate e votação mais popular dos últimos tempos, usada pelo Partido Pirata Alemão para tomar decisões. Introduz o conceito da democracia líquida, que consiste em poder delegar o nosso voto de qualquer votação para qualquer pessoa, que votaria por nós. Dessa forma se pode depositar o voto em quem cremos ser mais apto para cada questão, ou em quem nos dê mais confiança. Dessa maneira, soluciona-se o problema da impossibilidade de que todo mundo possa participar em todas as votações quando seu número é elevado.
[Software livre: AGPLv3]
Plataforma similar à anterior, desenvolvida na Espanha. Inclui também o sistema de democracia líquida, e diferentes modalidades de voto e organização. Os desevolvedores deram atenção especial à segurança do voto e sua verificação. Além de serem utilizados internamente em partidos como o Equo, a plataforma foi utilizada na iniciativa “
Congresso transparente” na qual o deputado Joan Baldoví do Compromis-Equo votou no partlamento a lei de transparência e a lei de reforma energética, em que o povo decidiu através dessa plataforma. Uma nova forma de hackear velhas instituições sem necessidade de mudar as leis.
[Software livre: licença MIT]
Utilizada pelo
Partido de la Red na Argentina, permite levantar propostas, debatê-las e votá-las. Seu interface bem-cuidada, agradável e simples, facilita o seu uso por qualquer pessoa.
[Software livre: AGPLv3]
Similar à ferramente anterior, fez fama após sua implementação na Islândia na página
BetriReykjavik (Mejor Reikiavik)
[Software livre: GPLv2]
Igual às ferramentas anteriores. Durante o 15M,
foi feita uma rede baseada no software Q2A, para recolher propostas dos cidadãos. Junto a caixas de correio físicas nos locais, foram recolhidas no total 14.679 propostas de cidadãos, em um exercício democrático nunca visto no país. Se isso foi possível ser feito por um grupo de cidadãos sem nenhum tipo de financiamento nem recursos, que poderia fazer um governo que estivesse interessado na democracia?
[Software livre: Licença BSD modificada]
Essa ferramenta usa um método de comparação entre pares para ordenar uma grande lista de propostas, e que qualquer um pode seguir adicionando outras novas. Aparecem propostas parecidas aleatoriamente, e para cada uma delas o usuário diz qual delas prefere, ou se não pode decidir entre uma e outra pode explicar o porquê (as duas parecem boas, ou nenhuma, ou não tem informação suficiente sobre alguma delas, etc), tudo através de uma interface simples e rápida de usar.
Com toda a informação introduzida pelos usuários, é possível elaborar um ranking de que propostas são as preferidas por todos. Outra maneira diferente de tomar decisões.
[Software privado]
Outro método para tomada de decisões, nesse caso aplicado para encontrar o momento mais favorável para um grupo de pessoas entre vários horários disponíveis. Cada problema pode necessitar um tipo de interação distinto para ser resolvido de maneira efetiva.
[Software livre: AGPLv3]
Loomie tem grande êxito como ferramenta para debate em grupos, desde organizações sociais até municípios. Parte de seu êxito se encontra na interface clara, intuitiva e eficaz para o debate. Outro grande acerto é ter incluído votações nos grupos, porém nesse caso focadas na possibilidade de conhecer em todo momento a opinião dos participantes sobre o que está sendo dito, e assim ajudar a encaminhar melhor as propostas. Dessa maneira, por um lado se potencializa o poder de encontrar soluções com maior consenso possível, em vez de fechar debates rapidamente com votações; e por outro lado, temos uma forma de conhecer continuamente a opinião das pessoas, e evitar assim que os que mais intervêem acabem desviando os debates até sua posição só pelo fato de falarem mais.
[Software livre: AGPLv3]
Incoma está desenhada para permitir que grandes quantidades de pessoas debatam de maneira efetiva, e possam obter conclusões ou resultados nesses debates, em vez de puro caos e ruído, ou em vez de reduzir o debate a um “gostei disso” ou uma votação. Incoma enfrenta esse desafio mediante a visualização das conversas, permitindo que se sigam facilmente os diferentes tópicos debatidos que vão sendo abertos, que se encontrem os argumentos a favor ou contra, os pontos mais controversos, etc. Mapas de conversas para não perder o rumo.
Nesse link podemos brincar livremente com esse exemplo para aprender a usar essa ferramenta.
Truth mapping
Nesse caso, o foco é visualizar no debate os processos lógicos da forma mais clara possível, para que seja a lógica que venha a esclarecer. Sobre essa primeira camada lógica, vão se adicionando valores subjetivos.
Ferramentas para Recompilação e Seleção de Conteúdos
[Software livre: AGPLv3]
Esse site bem conhecido é o maior agregador de conteúdo colaborativo em espanhol, transforma seus milhares de usuários em um exército de buscadores de conteúdo na internet. Como um enxame de abelhas rastreando o mundo em busca de pólen, são os próprios usuários quem sinalizam aos demais para confirmar as fontes encontradas (nesse caso em forma de votos, em vez de sinais de fumaça), o que faz com que no fim seja a inteligência coletiva desse enxame que decida o que passa à frente para ser mais visto ou não. Sobre cada compartilhamento selecionado, se cria um fórum de discussão, com centenas de comentários em média.
Recentemente, com uma nova divisão por subcategorias (chamadas
submenéames, que funcionam por sua vez como uma réplica do site completo), tanto por temas como por tipo de conteúdo, seu grande potencial é poder selecionar constantemente o que de mais relevante foi posto na internet ou que aconteceu no mundo inteiro sobre cada temática em particular, funcinando em parte como um jornal coletivo em constante atualização, com milhares de editores, para encontrar o melhor material entre artigos, blogs, fóruns, youtube, redes sociais, etc.
É curioso ver o resultado da sincera busca de informação, em contraposição com o que é publicado pelos jornais tradicionais.
[Software livre: Common Public Attribution License Version 1.0′
Com um desenho similar ao Menéame, porém com seleções em inglês. A grande diferença a respeito da anterior é o salto em magnetude do número de usuários e a atividade deles. É um dos sites que mais crescem na Internet nos últimos anos, contando hoje com centenas de milhares de subreddits e mais de 700 milhões de visitantes por mês. Calcula-se que 6% dos usuários da internet utilizam essa ferramenta.
Um exemplo da potência do Reddit como meio de informação ocorreu durante o atentado de Boston de 2013, que
o tópico aberto para comentários do ocorrido se converteu em ponto central de informação da internet, recompilando vídeos, fotos, testemunhos, etc.
O êxito foi tal que transbordou o próprio Reddit, cujo espaço de comentários está limitado a 20.000 comentários por notícia, e tiveram que abrir 21 espaços sucessivos para poder acolher todos os comentários (muitos com informação relevante sobre o ocorrido), superando assim a qualquer outro meio de comunicação existente quanto a informação proporcionada.
É interessante ver, como ocorre frequentemente, a capacidade de reinventar o uso das ferramentas por parte de seus usuários. Um dos subreddits que mais ganharam popularidade foi o chamado
IAmA (jogo de palavras com “I am a…”e as iniciais “Ask me anything”) em que alguém de interesse dos demais cria uma entrada se apresentando e certificando sua identidade, e uilizam o sistema de comentários para fazer perguntas e entre todas selecionar quais são as que mais interessa que se responda.
Um debate online ao vivo, onde milhões de usuários selecionam perguntas e entrevistam alguém, em vez de um apresentador ou entrevistador fazê-lo. Assim, cada dia se produz centenas de debates interessantes, como por exemplo com
Chris Hadfield (
astronauta da Estação Espacial Internacional), com o passageiro de um avão sequestrado no dia anterior, ou com
Barack Obama, presidente dos Estados Unidos.
[Conteúdo livre: CC By-SA 3.0]
Mesmo tipo de software da ferramenta anterior, porém utilizado para selecionar perguntas interessantes e as melhores respostas das mesmas. De física até esportes, passando por filosofia, xadrez e viagens.
Stackoverflow é a subseção dessa página especializada em programação, que atualmente seja provavelmente a referência principal de qualquer programador para resolver problemas.
O rastreamento da rede pode ser ativado em momentos corretos para explorar ao máximo sua potência em uma direção particular. Esse é o caso do Wikisprints, eventos que através das mídais sociais é lançado uma chamada para rastrear em um mesmo dia todos os exemplos que podemos conhecer ou encontrar sobre algo específico.
Por exemplo o
Wikisprints, organizado pela Fundação P2P, na tentativa de localizar, mapear e documentar todos os casos de produção P2P (produzir algo entre iguais, sem hierarquias) baseados no comum (que se produz de alguma forma para todos). Esses eventos produziram essas bases de dados interessantes:
Nesse caso, não entram em jogo novas ferramentas, mas uma atualização de ferramentas tradicionais de outra maneira.
Ferramentas para mapeamento
[Software livre: LGPL] e [Conteúdo livre: ODbl]
Uma vez selecionada uma informação relevante, se adicionam camadas de informação sobre a seleção como processo de pensamento adicional. Esse é o caso dos mapeamentos, onde a informação que nos interessa é adicionada à capa geográfica. A ferramenta mais popular a respeito é o Ushahidi, um mapa-wiki onde qualquer pessoa pode adicionar pontos relevantes.
Já foi utilizado por exemplo para organizar e coordenar a manifestação internacional de 15O de 2011, que graças a isso somaram mais de 1000 cidades; também como ferramenta para parar os desalojamentos em
Stop Desahucios, onde qualquer usuário pode receber informações dos desalojamentos que vão sendo feitos perto de onde vivem, para facilitar a participação; na ação de Toque a bankia, organizando bloqueios nas filiais de Bankia para fazer pressão contra a sua política de desalojamentos, que conseguiu fechar 42 das filiais organizando as pessoas que viviam pertos entre si
para incomodar as filiais locais; ou em uma ferramenta similar chamada
Voces25S que compilava informação em tempo real de manifestações (se havia repressão, se estava tranquilo, fotos de cada zona, etc) graças aos smartphones dos manifestantes, e que servia para que a massa manifestante pudesse reagir de maneira inteligente ao que ia se passando.
Muitas dessas ferramentas utilizam a base de dados dos mapas abertos OpenStreetMap.
Ferramentas para Análise de dados/investigação
[Software livre: LGPL]
Alguns problemas só podem ser resolvidos com inteligência massiva. Para os casos em que é necessário uma enorme capacidade de computação, temos Boinc. Essa ferramenta compartilha a capacidade de cálculo dos nossos computadores enquanto não os utilizamos (funcionando como se fosse um protetor de tela), somando-se a outros computadores, para funcionar juntos como um grande supercomputador. Não há muitos computadores no mundo que possam se igualar em capacidade de cálculo com os 885.535 computadores ativos conectados nesse momento através do Boinc.
No link acima podemos ver alguns dos projetos que estão em prática, desde detecção de ondas gravitacionais, até epidemiologia, passando por detecção de terremotos. E para confirmar que não estamos só nas idéias e na abstração,
aqui está uma lista de publicações científicas produzidas graças à potência do Boinc.
Ciência distribuída, como no caso anterior, com a diferença de que aqui não são necessários computadores calculando automaticamente, mas pessoas que colaborem por um período realizando algum tipo de tarefa só-para-humanos (até o momento). Essas poderiam ser por exemplo classificar fotografias de galáxias em função de sua forma e características (ao receber instruções simples de como identificá-las) ou classificar animais por câmeras automáticas. Tudo facilmente explicado e com uma interface que poderia ser a de um jogo, para que qualquer um possa participar.
Crowdcrafting
[Software livre: AGPLv3]
Essa ferramenta é basicamente igual à anterior, com a diferença de que os projetos propostos lá se extendem em alguns casos fora do âmbito da ciência. Por exemplo, encontramos
Sevilla-presos13. Um projeto para colher centenas de documentos pdf dos princípios de Sevilla, impossíveis de analisar de forma direta por nenhuma pessoa por si, e trocar dados entre panilhas de cálculo, o qual permite trabalhar com dados de maneira efetiva, e assim compreender em que um município está gastando realmente o dinheiro.
[Conteúdo em domínio público]
Milhares de livros que passaram ao domínio público são escaneados pelo Projeto Gutenberg, e convertido em pdf. Porém o sistema de reconhecimento de caracteres nem sempre funciona bem. Essa ferramenta foi desenhada para poder repassar textos produzidos, comparando-os com as digitalizações, e assim garantir livros de qualidade. Editoria coletiva para a grande biblioteca da humanidade. Graças a este projeto, 27.659 livros já são de todos.
O nível de complexidade dos processos de pensamento que implicam em um problema a ser resolvido pode ser muito alto em certas ocasiões. Esse é o caso de Polymathprojects, um site onde se resolvem coletivamente problemas matemáticos difíceis. Sem necessidade de reunir centenas de matemáticos em um mesmo lugar, ou organizar viagens de trabalho, ou ter que esperar os avanços através de publicações, a gente trabalha conjuntamente em um mesmo problema de maneira simples.
Um espaço de Banach “explicitamente definido” deve conter c_0 ou l_p? Agora sabemos
a resposta.
(recompilação de ferramentas)
Quando em 2010 Wikileaks filtrou os 250.000 cables classificados, era impossível obter informação relevante que estivesse lá, apesar de termos toda diantes dos olhos. Ao mesmo tempo, centenas de pessoas desenharam dezenas de ferramentas para combater o problema de formas muito diferentes.
Buscadores, wikis, classificadores, incluindo jogos onde obtinhamos pontos para etiquetar corretamente elementos chave dos cables, como
Cablegate Game. O que nenhuma equipe de jornalistas de nenhum jornal do mundo não pôde analisar, foi logrado pela inteligência coletiva. E descubrimos barbaridades como as
relacionadas com a Ley Sinde.
Em certas ocasiões não são necessárias novas ferramentas, se não simplesmente comunidades ativas. Esse foi o caso de uma das comunidades da internet mais depepravadas, 4chan, quando aconteceu o atentado de Boston. Imediatamente depois do atentado, a comunidade se mobilizou para compilar com todos os milhares de fotos e vídeos feitos pelas pessoas perto do local da explosão, e analisar cada uma das pessoas nas imagens para descobrir os autores. E tudo simplesmente usando um fórum da internet. Uma tarefa herculana, que os membros do 4chan resolveram com paixão e que permitiu obter em muito pouco tempo os rostos de duas pessoas claramente suspeitas, que rapidamente se distribuíram pelas redes.
Logo, resultou que os dois suspeitos eram apenas espectadores inocentes. Podem imaginar o que pensaram os dois pobres cidadãos. No fim, a inteligência coletiva também se equivoca às vezes, exatamente igual a inteligência individual.
Ferramentas para Ação Digital
[Domínio Público]
Em alguns casos, o cérebro coletivo não se foca na criação de conhecimento ou entes abstratos, mas se utiliza para ativar os músculos coletivos. Isso ocorre por exemplo com Loic, ferramenta utilizada para realizar os chamados ataques DDoS. Esses ataques consistem em milhares de pessoas executando o programa, que fará que computadores carreguem várias vezes um mesmo endereço de internet. Diante da avalanche simultânea de pedidos de carregamento, o servidor do endereço colapsa e deixa de funcionar, e com isso o endereço se torna indisponível.
É importante compreender que o método de ação é a ação mais pacífica e básica que se pode fazer na internet: carregar um site. Um similar seria sentarem-se diante de um negócio frente ao qual se quer protestar. Sem violência, as pessoas trancam o acesso e fazem que ao final deixe de funcionar o negócio.E não é uma ação imposta por pequenos grupos, mas a ação só pode funcionar se houver um grande consenso em torno do que se rechaça, levando grandes quantidades de pessoas a somarem.
Essas ações foram muito populares por meses para lutar contra entidades de gestão de copyright, ou para defender o wikileaks (bloqueando por exemplo páginas como Mastercard e Visa, que por sua vez bloqueavam as doações ao Wikileaks, que foi a chamada Operación Payback). Na Espanha, esse tipo de ação era na época totalmente legal, porém o governo modificou a lei
para torná-las ilegais, ou pelo menos interpretáveis.
Métodos mais complexos de ação foram usadas em outras ocasiões, como no
caso etoy, quando algum dos programas saturava o serviço de vendas online da campanha em questão, chegando a fazer um prejuízo na companhia de 70% nos preços da bolsa de valores.
[Software livre: AGPL]
Essa ferramenta permite lançar campanhas cidadãs nas quais qualquer um pode somar, porém não se limita a recolher assinaturas como outros sites, senão que quando alguém se cadastra se enviam e-mails ou fax em seu nome aos destinatários da campanha. Milhares de e-mails ou fax, para que não fique tão fácil ignorar as pessoas que peçam por mudanças.
Um exemplo foi a
campanha lançada às embaixadas de países estrangeiros na Espanha e orgãos internacionais, para que deixem de reconhecer um governo que não representa a vontade das pessoas do país. Imagine os embaixadores de todo o mundo vendo seus fax imprimindo sem parar mensagens uma de cada vez pedindo um resgate internacional.
Ferramentas para Obtenção de Recursos
[Software livre: AGPLv3]
Para levar a possibilidade de ação ao plano mais geral, surgiram plataformas como Goteo. Essa é uma plataforma de crowdfunding que permite que se financie coletivamente projetos propostos por qualquer um em troca de recompensas. Essas podem ir desde o puramente simbólico até a obtenção do produto que estamos financiando, se existir, ou qualquer outro tipo de obséquio.
A diferença a respeito das outras plataformas é que nessa o financiado tem que ter algum tipo de retorno coletivo, ou seja, o que se financia de alguma forma tem que produzir algo bom para todos. É fascinante ver milhões de pessoas nesse tipo de plataforma basicamente abrindo mão de seu dinheiro para produtos em que acreditam ou para que ocorram coisas que se acredita fazer o mundo melhor com sua existência (e uma grande maioria tem ânimo por lucro, assim não falamos de caridade), e mais uma vez ver como desmoronam os lugares-comuns e as falsidades sobre o egoísmo e o individualismo das pessoas. Enquanto nos dão as ferramentas e a liberdade, descubrimos que somos muito melhores do que pensamos.
No caso de Goteo é especialmente mais interessante do que outras plataformas, já que permite que a contribuição não seja somente econômica, mas podemos ajudar o projeto de muitas outras fromas não-monetárias (por exemplo para um filme, poderíamos traduzir, legendar, difundir; para um projeto de construção, emprestar máquinas, compartilhar nossa experiência, etc).
Igual a compartilhar arquivos na internet, eliminamos o incômodo do intermediário (por exemplo a gravadora) entre o autor (o músico) e o receptor (quem desfruta da música), nesse caso o incômodo intermediário que se elimina no processo de financiamento é o banco. Pular os bancos e conseguir que deixem de ser a peça chave na nossa economia pode ser uma das propostas mais profundas e transformadoras na hora de criar outro mundo que pode ser realizado.
Um exemplo de campaha cofinanciada pelo Goteo foi a do
15MpaRato, quando buscavam dinheiro para custear o processo que permitisse levar Rodrigo Rato e outros responsávels da crise para diante da justiça. A campanha conseguiu reunir em menos de 24 horas os 16.000 euros necessários, assim como 50 acionistas de Bankia que se ofereceram como denunciantes, além de dezenas de testemunhos internos. O site foi bloqueado várias vezes durante as 24 horas, saturada pela quantidade de pessoas que queriam dar seu dinheiro para julgarem os culpados pela crise. Outra lição sobre as pessoas.
*Carlos Barragán del Rey e Miguel Arana-Catania são desenvolvedores do Incoma. Esse material foi compilado e apresentado na ocasião da “I Jornada EN-RED: Produção coletiva do conhecimento e ética hacker”, organizada por Ángel Carrasco Campos e Pedro Martín Gutiérrez na Universidade de Valladolid.
Foto: CC Quinn Dombrowsky
Tradução: Kim Schiavo