Enviado especial deixa cargo após não obter sucesso nas negociações, qualificadas pelo próprio Ban Ki-moon como “tarefa quase impossivel”. Sucessor terá desafio de lidar com oposição dividida e destravar processo de paz.
“Ele tinha uma tarefa quase impossível.” Assim resumiu o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, a renúncia, anunciada na terça-feira (14/05), de seu enviado especial e da Liga Árabe para a questão síria, Lakhdar Brahimi.
A realidade na Síria é, de fato, tão complicada quanto a missão que teve Brahimi. Três anos após o início do levante contra o regime de Bashar al-Assad, ainda não há perspectivas de uma solução para o conflito, que já custou mais de 150 mil vidas e forçou o deslocamento de cerca de 9 milhões de pessoas. Desde outubro do ano passado, as forças leais ao governo teriam usado armas químicas, segundo o governo francês, pelo menos 14 vezes.
Brahimi não tinha muitas opções. Segundo Anthony Cordesman, especialista em Oriente Médio do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais de Washington, o enviado especial contribuiu para aliviar o desastre humanitário à população civil, mas um avanço real nunca esteve, de fato, ao seu alcance.
“Chegou-se a um ponto em que parece que ninguém conseguiria realizar progressos, tanto em termos de resultados políticos ou da situação humanitária”, afirma Cordesman. “Lidamos com uma tragédia, e ninguém tem o poder de mudar esse quadro.”
Segundo a renunciar
Brahimi, ex-mediador internacional no Afeganistão, é o segundo diplomata de alto nível que tentou, em vão, encontrar uma solução para o conflito na Síria. Ele assumiu o cargo em setembro de 2012, sucedendo ao ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan, que também havia renunciado ao cargo de enviado especial para a Síria.
O argelino de 80 anos buscou a solução diplomática em duas rodadas de negociação em Genebra, com a presença de representantes do regime de Assad e da oposição. E o anúncio do governo sírio em abril, de que vai realizar eleições no dia 3 de junho, visando a ratificação do poder do atual ditador, reduziu ainda mais as esperanças de se obter progressos significativos na resolução dos conflitos.
“Até que se tenha uma mudança fundamental na situação na Síria, ainda não é o momento adequado para buscar uma solução diplomática”, diz a especialista em Oriente Médio Geneive Abdo, do Centro Stimson, de Washington. Segundo ela, o moral dos opositores do regime atingiu o ponto mais baixo: “A oposição síria está desencorajada. Há um mês, as comemorações do aniversário da revolução foram ofuscadas por sentimentos de depressão e tristeza.”
Abdos analisa que uma série de fatores levou ao impasse atual. A desunião da oposição síria reforçou o argumento de Assad de que os extremistas causam apenas o caos, sem qualquer ordem. Além disso, a comunidade internacional, critica a especialista, cometeu erros ao lidar com os jogos de poder no Oriente Médio, como ao convidar o Irã a participar das negociações de paz em Genebra e depois remover o convite, cedendo à pressão dos Estados Unidos.
Sem chance à diplomacia
Segundo Abdos, vai levar tempo até que uma nova oportunidade diplomática seja possível. No entanto, explica, não significa que isso não venha a acontecer, já que apenas dessa maneira a guerra poderá chegar ao fim. Os 15 anos da guerra do Líbano, lembra ela, terminaram com uma solução diplomática. E o conflito guarda algumas semelhanças com a guerra civil síria, ainda que fosse menos violento.
O pré-requisito fundamental do próximo enviado especial para a Síria é ter, acima de tudo, paciência. Em Nova York, a busca pelo sucessor de Brahimi já começou. Entre os nomes que circularam nesta terça-feira estava o do atual ministro do Exterior da Tunísia, Kamel Morjane.
De acordo com Cordesman, não é tão importante que o próximo a assumir o cargo tenha a mesma estatura internacional de seus predecessores: “A essa altura, não acho que seja preciso alguém de alto perfil político. Deverá ser um indivíduo que transmita credibilidade, que seja objetivo, neutro e que possa trazer argumentos convincentes no que diz respeito à ação humanitária – e existem muitos na comunidade internacional com esse perfil.”
No futuro próximo, mais do que um grande esforço diplomático, a crise na Síria precisará de gerenciamento diário.
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