Por Kim Schiavo – redator da Pressenza(*)
Seguido dos protestos de junho e julho que mobilizaram as grandes cidades do país, um clima de revolta pairou no ar, um clima de contestação dos temas críticos à sociedade brasileira. A situação da saúde, com hospitais abandonados da atenção do poder público, da educação, em que faltam escolas e salários dignos aos professores, mesmo da militarização da polícia. Com esse descontentamento da população, claramente demonstrado desde os protestos até as mais diversas formas de arte, da rua à hipermídia, pelas mais diversas castas sociais, a proximidade com a data da Copa do Mundo preocupou as autoridades e os governantes. Porém não serviu para fazer repensar atitudes e decisões passadas.
Nos últimos 3 meses, foi possível delinear o aumento significativo de ações de reintegração de posse de áreas ocupadas principalmente por movimentos de moradia. Porém, diferentemente do que houve nos últimos anos, agora são áreas mais afastadas dos estádios. Mesmo sem estarem todos os estádios prontos, a preocupação primordial era a gentrificação das áreas do entorno. Depois, a gentrificação das áreas onde ocorrerá o turismo no país.
O que chama a atenção é que as desocupações que ocorreram nestes meses não são condizentes com a política que deveria ser adotada por um país alegadamente às vésperas de um megaevento internacional. Enquanto a insatisfação do povo foi multiplicada com os últimos protestos, e mais ainda pela resposta desmedida e negligente do Estado, a posição dos governantes seria, já que não atenderam nem atenderão aos suplícios do povo, pelo menos amenizar a contrariedade, e não provocar mais do que estiveram provocando nos últimos anos, muito menos continuar respondendo à revolta popular como têm feito desde a volta dos grandes protestos ao cenário brasileiro.
A situação brasileira já é notícia no exterior. Já afetou a taxa de análise de risco empregado pelos investidores. Já virou matéria em diversos jornais, da mídia tradicional à mídia independente, em todo o mundo. Já contou com faixa de protesto “Grécia pelo boicote à Copa do Mundo no Brasil”.
Apesar de tudo, a desocupação do Conjunto Habitacional de Caraguatatuba, em 17 de fevereiro, contou com uma truculência desmedida da força policial. Os moradores reclamavam que a Caixa, que entrou com o pedido de desocupação, não lhes deu nenhuma chance para cumprir com o pré-estabelecido.
No dia 20 de Março, a Favela de Manguinhos teve uma de suas ocupações, que contava com cerca de cem famílias, reintegradas pela polícia e reprimidas com munição letal.
A Favela da Maré foi ocupada desde o dia 30 de Março pelo exército e pelo “Caveirão”, divisão da Polícia Militar que carrega uma caveira e duas pistolas como bandeira, para reaver, criminalizar as vidas na favela, e controlar a região dos olhos dos turistas, e dos investidores.
A comunidade do Esmaga Sapo teve sua favela incendiada no dia 04 de Abril. Desocupados, agora reclamam medidas do poder público, que os abandonou e nem se dispuseram socorrê-los mesmo afetados pelo incêndio.
No morro do Gambá houve o protesto contra o assassinato de Maria Clara, uma criança, pela Polícia Militar da UPP, sujeitos ao controle acirrado de toques de recolher, abusos e prisões ilegais.
No morro da Santa Marta são cobrados taxas abusivas de luz, de montantes na média dos R$ 400,00 (por pessoa) e várias vezes no mesmo mês, pressão clara para a desocupação da área com subterfúgios do tipo.
A população do Morro do Cantagalo constantemente sofre e denuncia os casos de abusos de poder e assassinatos por parte da milícia. O Morro ainda abriga lugares ocupados pela milícia conhecida por “Liga da Justiça”, que domina a favela.
E no dia de ontem (11) foi feita uma reintegração de posse na “Favela da TeleRJ” de um prédio ocupado no dia 31 de Março, em que a violência foi mais uma vez desmedida, onde foram contadas 21 prisões. A desocupação se estendeu para a favela e para os arredores. Vale lembrar, que quem expediu o pedido de reintegração de posse do prédio da antiga TeleRJ foi a empresa de telefonia da Oi, que no entendimento de Gustavo Gindre, segundo publicação Laboratório de Direitos Humanos de Manguinhos, não pertence a Oi devido ao prédio ter sido adquirido e depois privatizado, portanto pertencente à União, já que no processo de privatização os bens adquiridos pelo poder público continuam a pertencer ao governo. Apenas a União poderia mover o pedido de reintegração.
Não só não existe qualquer intenção de construir um diálogo entre o povo e Estado, nem de diminuir a repressão, o governo brasileiro em geral agora aumenta as decisões arbitrárias, as repressões e as violações de direitos, em favor das grandes corporações e dos investidores. Em favor da economia.
É quase como se o Estado estivesse usando todas as cartas na manga, disponíveis e indisponíveis (feitas disponíveis), para fazer o que puder pelos interesses das grandes corporações e da reafirmação da politicagem partidária, esperando que a Copa apague os rastros com o Pão e Circo. Ou mesmo gastar todos esses subterfúgios para saírem todos (como Sérgio Cabral já fez, entre outros motivos) e inserirem outras figuras no cenário político partidário, que responderão da mesma forma, e fugir pelo buraco do rato dos olhos da mídia internacional tradicional e independente.
O fomento da opinião reacionária se mostra cada vez mais interessante para o Estado. Afinal, é assim que são repercutidas opiniões como a de Rachel Sheherazade nas pichações da milícia no morro do Cantagalo:
[media-credit name=”Extraído de vídeo de A Nova Democracia – UPP: Moradores denunciam assassinatos e ação de milicianos no Cantagalo” align=”aligncenter” width=”300″][/media-credit]
(Veja também o vídeo do jornal Nova Democracia: UPP: Moradores denunciam assassinatos e ação de milicianos no Cantagalo https://www.youtube.com/watch?v=12k9JybKOkY)
Em resposta a essas ações do Estado, os movimentos de moradia Luta por Moradia (FLM), a Central de Movimentos Populares (CMP) e a União de Moradia Popular (UNM) ocuparam simultaneamente 20 prédios no centro de São Paulo para reivindicar o avanço e a melhoria em programas de moradia popular e políticas públicas.
Logo à vista está marcada a reintegração de posse da comunidade Mauá, que já rendeu anos de luta, trabalhos culturais extensos, matérias internacionais e documentários. Com a desocupação marcada para dia 15 de Abril, Mauá conseguiu em março uma promessa de adiamento para 2 semanas e a palavra do secretário municipal de Habitação, José Floriano Neto, que a prefeitura compraria o prédio para torná-lo moradia popular.
Enquanto o episódio desse dia 11 de Abril ficará marcado na história, as demais remoções não podem ser esquecidas, assim como não podem ser esquecidos os demais temas levantados pelas notícias das mídias e do jornalismo popular. Por exemplo, os nomes de Cláudia da Silva Ferreira, executada no morro da Congonha e arrastada por uma viatura da Polícia Militar. Nem de Maria Clara. Nem de Rafael Braga Vieira. Nem de Amarildo Dias de Souza.
Pesquisadores e professores coordenadores do LabHab (Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos) e do LabCidade (Laboratório do Espaço Público e Direito à Cidade) da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP propuseram um Observatório de Remoções, que visa agrupar informações fragmentadas disponíveis sobre as remoções forçadas em São Paulo e sobre projetos e intervenções urbanas com potencial de gerar remoções para efetuar um dimensionamento do processo, tornar público e conferir transparência a essas informações, entre outros objetivos.
Leia Mais em https://medium.com/p/bf773936b2a
* matéria atualizada em 14/04/2014