Publicação das palavras na qpresentação do livro “Cartas a meus Amigos”, de Silo, pelo Secretário Geral do Partido Humanista, Arturo Vitória.
Este livro é dirigido a pessoas interessadas na situação atual, especialmente a ativistas, a pessoas que se comprometem ou tentam se implicar em atuar para transformar o mundo e tentam compreender o que está acontecendo, o que podem fazer e que direção tomar.
Boa tarde a todas e todos.
Agradeço à livraria Muga a possibilidade de apresentar hoje este livro.
Agradeço também à Editora León Alado e seu time de colaboradores por seu trabalho na edição e distribuição de muitas das obras de Silo, que estavam esgotadas ou que não se haviam publicado na Espanha e que, com o trabalho tenaz e persistente, estão conseguindo difundir. Comprovei pessoalmente esse trabalho que fizeram quando fui à livraria do meu bairro, que é esta, y pude comprar alguns títulos como “Humanizar a Terra” ou “Cartas a meus Amigos”.
Entrando já no tema que nos ocupa, que é a apresentação do livro “Cartas a meus Amigos” que foi escrito por Silo, pseudônimo de Mario Luis Rodriguez Cobos, entre 1991 e 1993.
É dirigido a pessoas interessadas na situação atual, eu acredito que especialmente a ativistas, a pessoas que se comprometem ou tentam se implicar em atuar para transformar o mundo e tentam compreender o que está acontecendo, o que podem fazer e que direção tomar.
Está dividido em dez cartas que o autor dirige a seus amigos e ele mesmo as divide da seguinte forma: As tres primeiras enfatizam nas experiências que lhe toca viver ao indivíduo e na situação que lhe toca viver. A quarta apresenta a estrutura geral das ideias em que se baseiam todas as cartas. As cinco seguintes esboçam o pensamento político e social do autor, e a décima apresenta alinhamentos de ação tendo em conta o processo mundial. Muito recomendável o estudo de cada uma das cartas para os interessados nos temas mencionados.
A primeira característica que ressalta depois de ler este livro é que tem muitos elementos que se adiantaram 20 anos respeito à época que foi escrito.
Tive oportunidade, como muitos outros amigos, de ler estas cartas faz já vinte anos, quando o autor as escreveu e as foi difundindo. Naqueles anos, muitas das coisas que se afirmam nestas cartas pareciam longínquas ou incompreensíveis, ou não eram vistas por lugar nenhum. Por exemplo, o nascimento de uma nova sensibilidade, que se anuncia na parte primeira:
Está nascendo uma nova sensibilidade que se corresponde com os novos tempos… Hoje se começa a valorar o trabalho humilde e sentido mediante o qual não se pretende agrandar a própria figura, mas cambiar a si mesmo e ajudar a fazê-lo ao meio imediato familiar, laboral e de relação… Quando alguém comprova que o individualismo esquizofrênico já não tem saída e comunica abertamente a todos seus conhecidos o que pensa e o que faz sem o ridículo temor a não ser compreendido; quando se aproxima a outros; quando se interessa por cada um e não por uma massa anônima; quando promove o intercâmbio de ideias e a realização de trabalhos em conjunto; quando claramente expõe a necessidade de multiplicar essa tarefa de reconexão em um tecido social destruído por outros…
Nos anos 90 a gente não via isto por lugar nenhum. Agora bem, desde alguns anos sim se aprecia essa nova sensibilidade, nos jovens ao se mobilizar para defender os direitos dos imigrantes, nos vizinhos que se reúnem para parar um despejo, ou nos centros de trabalho, bairros ou centros de ensino que começam a se organizar sob novos parâmetros. Esta irrupção se deu simultaneamente em diferentes lugares do mundo, aportando elementos diferentes à paisagem humana.
Sem embargo, nos anos 90 o que percebíamos era como a ideologia dominante sugava com seus ensonhamentos de consumo e êxito social às novas gerações e isto se reflete nas cartas num relato magistral que se chama “um conto para aspirantes a executivos”. Aqui se descreve a fantasia que o sistema relatava e como ao final a riqueza desbordaria em cascata até alcançar as capas mais baixas. E muitas pessoas acreditavam nisso!
Também se descrevem no livro outras tendências, que naqueles anos não eram tão evidentes, mas ficam perfeitamente descritas nas cartas: Concentração crescente do poder financeiro, desestruturação e descrédito nas estruturas tradicionais especialmente as cúpulas de partidos e sindicatos, fragmentação do tecido social, e também a desilusão das populações com o sistema, que tende a usar a repressão e o autoritarismo para se manter, dado que o conto para aspirantes a executivos já não funciona.
O segundo ponto que quisera destacar é o olhar desde o qual está escrito o livro e que se explicita na carta quatro. Nesta carta Silo define, como ele diz: “desde onde faço minhas críticas ou desenvolvo minhas propostas”.
Não parte de ideias prévias ou gerais, mas de descrições baseadas na experiência.
O primeiro conceito que desenvolve é de que ser humano e sua consciência estão abertos ao mundo. Vivemos sempre em situação, não isolados [eu sou eu e minha circunstância, como dizia Ortega e Gasset]. Desde esta concepção não podemos falar do mundo sem ter em conta a quem o olha, nem pensar no indivíduo sem vê-lo em relação com seu meio.
Um segundo conceito é que esta consciência é ativa; não somos um reflexo do externo, vamos em direção ao mundo com uma intenção e o transformamos. E até tal ponto o temos transformado que qualquer um de nós nasceu num meio social e histórico que fomos construindo. Vivemos num mundo lotado de intenções e significados, de “para ques” que podemos captar em todos os objetos. Este meio histórico social que todos herdamos faz que à diferença de um leão, que segue a nível de experiência histórica o primeiro leão, nós sejamos um ser histórico e social. Temos uma longa história, uma memória coletiva de avanços, às vezes retrocessos e transformações. O permanente no homem é o câmbio, a transformação, que alcança até o próprio corpo.
Mas ademais a consciência humana tem outra característica especial. Pode diferir respostas, escolher entre situações e planejar seu futuro. E é esta liberdade a que lhe permite se negar a si mesmo, negar aspectos de seu corpo, negá-lo completamente como no suicídio, ou negar outros. Vivemos não somente no presente, também podemos lembrar o passado, que nos influi, e também imaginamos e projetamos à futuro; e este tempo, que não é tão advertido como outros tempos, nos influi decisivamente. Temos uma dimensão temporal, não somos tão rasos, ainda que às vezes nos custe adverti-lo.
Com estes elementos Silo chega à seguinte definição do humano: o ser humano é o ser histórico cuja ação transforma o mundo e sua própria natureza.
Como o mesmo autor diz mais poeticamente em outra de suas obras: somos tempo e liberdade.
E qual é o motivo, qual é o sentido desta permanente busca e transformação humana? Silo responde muito simplesmente: essa intenção está lançada, em última instância, a superar a dor e o sofrimento.
A parir destas bases, Silo explica o conceito de contradição social, que se produz quando uns poucos se apropriam do poder de decisão do todo social e negam a outros sua capacidade de escolha. Essa contradição gera sofrimento e vai contra o sentido da evolução humana:
Esta liberdade permitiu que alguns seres humanos se apropriem ilegitimamente do todo social. É dizer, que negam a liberdade e a intencionalidade a outros seres humanos, reduzindo-os a próteses, a instrumentos de suas próprias intenções. Aí está a essência da discriminação, sendo sua metodologia a violência física, econômica, racial e religiosa.
Estas ideias, junto com outras que se derivam delas, se articulam nas Teses do Partido Humanista do qual sou parte. Recomendo também sua leitura a todos os interessados no câmbio social e pessoal.
Sintetizando, neste livro “Cartas a meus Amigos”, Silo nos mostra uma paisagem onde as intenções pesam mais que os fatos, onde o pessoal e o social se relacionam estreitamente e onde a liberdade humana pugna por se abrir passo a través da crise.
Obrigado Silo por este aporte.
Obrigado por sua atenção.
Traduzido por Ernesto Kramer