Os imigrantes que trabalham nas obras das infra-estruturas para o Mundial de Futebol de 2022, no Qatar, são tratados “como gado”, revela um relatório da Amnistia Internacional.
O documento – O Lado Negro da Imigração: o sector da construção no Qatar antes do Campeonato Mundial de Futebol – surge uma semana depois de o presidente da Federação Internacional de Futebol (FIFA), Joseph Blatter, ter estado no Qatar e de dizer, após um encontro com as autoridades do país, que “está tudo no bom caminho” quanto aos direitos dos trabalhadores.
Uma grande investigação do jornal britânico The Guardian tinha denunciado que os imigrantes eram tratados como escravos. O relatório da Amnistia vem corroborar o que era dito na reportagem do Guardian.
“É imperdoável que um dos países mais ricos do mundo submeta os imigrantes a esta forma brutal de exploração, que os prive dos seus salários e que os deixe à sua sorte para sobreviverem”, disse o secretário-geral da Amnistia Internacional, Salil Shetty. “A nossa investigação indica que há um elevado nível de exploração no sector da construção no Qatar. A FIFA tem o dever de dizer publicamente que não tolera este abuso dos direitos humanos na construção dos projectos relacionados com o Mundial.”
Os investigadores da Amnistia foram ao Qatar várias vezes entre Outubro de 2012 e Março de 2013, observaram as condições de trabalho e de vida dos imigrantes e fizeram muitas entrevistas para chegar às suas conclusões: os trabalhadores vivem em pavilhões superpovoados, não têm todos acesso a água corrente, estão expostos ao lixo e muitos não podem desistir daquele trabalho porque têm, para com os empregadores, dívidas que pagam através dos seus salários (o custo das viagens para o Qatar e da alimentação).
São os empregadores que ficam com os passaportes dos trabalhadores quando estes entram no Qatar. Por isso, estão “presos” a contratos que os condenam a uma “forma moderna de escravatura”, escreve a Amnistia Internaiconal no relatório que concluiu que os operários sofrem de “danos psicológicas graves”; e alguns suicidaram-se. De acordo com um documento obtido pelo Guardian para a reportagem “Os escravos do Mundial do Qatar”, publicada em Setembro, entre 4 de Junho e 8 de Agosto morreram 44 trabalhadores, todos nepaleses. Mais de metade morreu de ataque cardíaco e de acidentes no trabalho.
“Por favor, há alguma maneira de sair daqui? Estamos a enlouquecer”, perguntou um nepalês que trabalha há sete meses no Qatar sem receber e que estava proibido, pelo contrato, de sair do Qatar por mais três meses. Muitos trabalhadores são mandados embora no fim dos contratos ou quando o empregador quer, sem qualquer pagamento. O relatório relata casos de imigrantes que só foram autorizados a sair do Qatar depois de assinarem, em frente a funcionários do Governo, documentos a dizer que tinham sido pagos quando não o foram.
A exaustão foi um factor de peso nestas mortes, apesar de a lei do Qatar dizer que uma jornada de trabalho não pode ter mais de dez horas e que no Verão (quando as temperaturas sobrem aos 50 graus) é proibido trabalhar entre as 11h30 e as 15h. A falta de segurança também é um problema; a Amnistia relata que em muitas zonas de construção os operários não têm sequer capacetes para se proteger. Os sindicatos ocidentais que reagiram à notícia estimaram que há o risco de quatro mil pessoas morreram na construção dos estádios do Mundial 2022.
O Qatar tem a mais alta taxa de imigrantes e estes trabalham na sua esmagadora maioria em serviços domésticos ou nos serviços mais baixos, como a construção civil. Para a construção dos estádios e das infra-estruturas do Mundial de 2022, recrutou mais 1,5 milhões de pessoas e 40% delas são nepaleses; também há trabalhadores de outras zonas da Ásia, por exemplo do Bangladesh.
A Amnistia encontrou um encarregado de obra que trata os operários que tem a seu cargo por “animais”. É contado o caso de um grupo de trabalhadores encarregado de levar mantimentos a uma zona em construção — o documento refere que é no complexo onde deverá ser a sede da FIFA durante o Mundial — que denunciou ser vítima de abusos e que contou ser tratado “como gado”.
As denúncias do Guardian e as advertências dos sindicatos levaram a FIFA a reagir e o seu presidente anunciou que iria visitar o Qatar e avaliar o que se passava. Blatter encontrou-se com o emir, Tamim bin Hamad bin Khalifa al-Thani, e no final disse ter ficado descansado com o que lhe foi apresentado e anunciou que o Mundial do Qatar vai ser “espectacular”.
Mas perante este relatório, a Federação Internacional de Futebol teve de reagir. “A FIFA espera que quem organiza os torneios e as competições também tenha o maior respeito pelos direitos humanos”, lê-se num comunicado do organismo. O texto lembra que foram dadas a Blatter garantias de que as leis do trabalho “estavam a ser melhoradas” e termina com um desejo: “O Mundial 2020 vai ter um efeito muito positivo no Qatar e no próprio Médio Oriente e será uma grande oportunidade para esta região descobrir o futebol como uma plataforma para que ocorram mudanças na sociedade, incluindo a melhoria da legislação do trabalho e dos direitos dos imigrantes.”