São Paulo – A votação do Marco Civil da Internet entra em semana decisiva. O objetivo do projeto é estabelecer regras que definirão direitos dos internautas, como a liberdade de uso, de criação de conteúdos e de meios de difundi-los, e limites a empresas de telecomunicações, sejam produtoras de conteúdo, provedoras de acesso ou operadoras de telefonia. O Marco Civil pode consolidar a liberdade já alcançada, e tornar crime práticas que atentarem contra os direitos individuais, direitos civis e direitos humanos, que hoje não contam com regras claras para inibi-las.

Pelo menos, foi com esse foco que o projeto foi elaborado, depois de consumir muito tempo de discussão com a participação das empresas, de integrantes do Comitê Gestor da Internet (CGI) no Brasil, representantes da sociedade, do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. O resultado desse processo resultou num relatório, elaborado pelo deputado Alessandro Molon (PT-RJ).

O texto final será oficialmente apresentado amanhã (5). Na quarta, será assunto de uma comissão geral convocada pelo presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN). Uma comissão geral substitui uma sessão plenária regular da Casa. Nela, além dos deputados, representantes da sociedade são chamados para contribuir com o debate de temas importantes. Se houver consenso, amanhã, de que o Marco Civil está ok para ir a votação, Henrique Eduardo Alves pretende fazê-lo logo após a reunião da comissão geral, marcada para as 9h da quarta.

Porém, todo esse debate democrático corre o risco de virar pó, caso o lobby das empresas operadoras de telefonia e de telecomunicações prospere. As empresas atuam pesado para mover dois de seus principais interesses. Um, das operadoras, de poder cobrar por pacotes diferentes de dados, além de distinguir também a velocidade ofertada.

Hoje, as empresas (provedores) não podem cobrar por pacotes de conteúdos, como uma TV a cabo. Podem cobrar pela entrega mais lenta ou mais rápida das informações que chegam ao usuários. Assista aqui a um vídeo esclarecedor sobre a questão.

Censura
Outro item perigoso está no interesse de empresas, como a Globo, que forçam para que o Marco Civil permita a remoção de conteúdo por meio de notificação extrajudicial. Sob pretexto de proteção de direitos autorais, as empresas querem ter o direito de mandar remover no grito um determinado conteúdo que, pelo que foi democraticamente debatido durante a construção do Marco Civil, só poderia ser feito por via judicial.

“Hoje, as empresas já usam as ações judiciais para promover a censura de conteúdo. Imagine se não precisarem mais disso. Se puderem ir direto ao provedor e dizer a ele para retirar tal conteúdo por que fere ‘meus direitos’. Quem tem de decidir isso é a Justiça”, diz o sociólogo Sérgio Amadeu, ativista digital e integrante do CGI. “Se essas pretensões passarem, será o fim da internet livre como a conhecemos hoje. Será mais um ambiente em que um setor colocará seus interesses e seus negócios acima da Constituição e da liberdade.”

O que preocupa os ativistas da democracia e da defesa dos interesses do consumidor é a ofensiva das empresas sobre os parlamentares. Na semana passada, a imprensa noticiou encontro entre executivos das teles, da Globo e o líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), na residência do presidente da Casa, Henrique Alves. “Eles, os paladinos da liberdade de expressão, estão tramando mudanças irresponsáveis no texto para introduzir a censura na rede”, diz Amadeu.

O jornalista Renato Rovai, editor da Revista Fórum, apontou em seu blog argumentos postados pelo deputado Eduardo Cunha no Tweeter: “Querem e comunizar a internet, obrigando a fornecerem de forma ilimitada a infra para qualquer tamanho de transito, com preço igual para todos. Ou seja o consumidor paga o que não usa para os outros usarem.Isso e neutralidade? Ninguém esta pensando no pobre consumidor. É como se a gente permitisse a utilização de luz à vontade e todos pagassem a mesma conta. Quem usasse ar condicionado e chuveiro eletrico pagasse o mesmo de quem tem casa popular, escreveu o parlamentar.

O deputado comete duas revelações: uma, a de que está disposto a “ideologizar” o debate, como se fosse uma disputa entre “esquerda e direita” e não uma peleja entre (hoje) 100 milhões de usuários e meia dúzia de empresas com faturamento de R$ 280 bilhões, e que têm no currículo um dos serviços de internet mais lentos e caros do mundo. Cunha revela ainda que está disposto a mentir, a empregar argumentos falaciosos como esses, para justificar sua “sensibilidade” às causas das teles.

O líder do PMDB é conhecido por seu poder de influência não apenas sobre a bancada do partido, como também por liderar algumas dezenas de outros parlamentares de legendas menores, especialmente os evangélicos. E estão em jogo interesses com muito poder de fogo em relação a apoios logísticos, midiáticos e financeiros para as eleições do anos que vem – não é à toa que esses caciques do Congresso obstruem qualquer tentativa de acabar com o financiamento de empresas a campanhas eleitorais.

“Se a disputa ficar no corredor do Congresso, a gente perde, e eles ganham”, alerta Sérgio Amadeu.

por Paulo Donizetti de Souza, da RBA