São Paulo – Milhares de pessoas participaram hoje (31) de uma manifestação pacífica em Maputo, capital de Moçambique, contra a onda de raptos e a instabilidade política e militar que o país vive, acusando o governo de estar “mudo” e a polícia, de ser “corrupta”. Os moçambicanos temem um retorno à guerra civil de 16 anos, que terminou em 1992. Foi a maior manifestação não-governamental da história da capital.
A “Marcha Pela Paz e Contra os Raptos” foi organizada pela Liga dos Direitos Humanos, em conjunto com outros órgãos da sociedade civil e institutos religiosos, como uma reação à onda de sequestros e ao clima de hostilidade entre o Exército e a Renamo (Resistência Nacional Moçambicana), partido político de oposição. A atividade econômica em Maputo foi parcialmente paralisada hoje, indicando a solidariedade de muitas empresas à causa.
No último sábado (26), um menino de 13 anos foi assassinado na cidade de Beira, apesar de o caso só ter sido noticiado na terça (29) pelo jornal local O País. Abdul Rashid havia sido sequestrado na outra semana, quando regressava da escola, e foi morto depois que a família contou à polícia o local combinado para a entrega do resgate, fixado em um milhão de meticais (cerca de 73 mil reais). A mãe de Rashid acusou a polícia de ser conivente com os sequestradores.
Raptos são comuns em Moçambique, mas os casos vêm aumentando nos últimos tempos, provocando medo e revolta na população, que acusa o governo de ser ineficiente nas negociações com sequestradores. Só na última semana, pelo menos cinco sequestros foram registrados em Maputo, segundo o jornal português Público. O escritor Mia Couto se pronunciou sobre os ocorridos, denunciando “força sem rosto e sem nome” que provoca “um sentimento de desproteção e desamparo” na população. Ele mesmo chegou a receber ameaças.
A princípio, os alvos desses raptos eram homens de negócios, mas agora pessoas de classe média e estudantes também se tornaram vítimas. Na segunda-feira, seis pessoas foram condenadas a 16 anos de prisão por envolvimento em sequestros, incluindo um ex-guarda presidencial, Arsenio Chitsotso. Segundo a BBC, ele fazia parte do grupo de elite da polícia que protege o presidente Armando Guebuza. Outros dois policiais também foram presos. O governo afirma que a participação da polícia nos casos é “lastimável”.
Exército x Renamo
A tensão política e militar cresceu em Moçambique nos últimos meses desde que o governo passou a acusar a Renamo, segundo maior partido do país, de ser “uma ameaça à segurança nacional”, por supostos ataques realizados contra civis, postos policiais e militares e tráfego nas estradas. O maior temor da população é um retorno à guerra civil com duração de 16 anos entre a Renamo e a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), partido de situação desde a independência moçambicana, em 1975.
O Exército recentemente tomou duas bases militares que estavam sob controle da Renamo. O primeiro ataque do governo ocorreu no último dia 21, quando foi recuperada uma base na região de Satungira, onde residia o presidente da Renamo, Afonso Dhlakama. Um deputado do partido teria morrido em decorrência de ferimentos sofridos na ocupação. O porta-voz Fernando Mazanga disse à Reuters que Dhlakama “está sendo caçado com armas. A intenção é matá-lo”. Entretanto, Mazanga afirmou que ele está vivo em local seguro.
No dia 29, o Exército tomou posse do quartel-general da Renamo na vila de Marínguè, província de Sofala, após troca de tiros com homens armados do partido opositor. Segundo as Forças Armadas e de Defesa (FADM), seis militares foram feridos.
Mais tarde, no mesmo dia, uma emboscada supostamente preparada pela Renamo a uma viatura civil carregando cerca de 20 passageiros deixou um morto e mais de dez pessoas desaparecidas. A caminhonete fazia o percurso entre as cidades de Iapala e Nampula e teria sido atacada por quatro homens armados que dispararam contra ela.
Já ontem de manhã, um comboio de 20 carros que ia de Nampula a Maputo protegido por escola militar também foi atacado, em suposta nova ofensiva da Renamo, deixando vários feridos. Entre eles, um pastor brasileiro da Igreja Mundial do Reino de Deus. Ele foi atingido na bacia, mas já passa bem. A Embaixada do Brasil em Moçambique recomenda que os brasileiros evitem trafegar por estradas da Província de Sofala até que a situação na região melhore.
“Guerra não declarada”
Em entrevista ao Público, o acadêmico moçambicano Lourenço de Rosário, que tentou mediar durante meses o diálogo entre a Renamo e a Frelimo, afirmou que “Moçambique vive uma situação de guerra não declarada”. Ele disse também que a situação atual do país o “preocupa bastante”. Segundo ele, é preciso criar condições para Afonso Dhlakama reaparecer e dar continuidade ao diálogo.
O presidente Armando Guebuza, por sua vez, nega categoricamente que haja ameaça de guerra em Moçambique. “Eu não acho, e é um ‘não’ forte, que vamos voltar para a guerra”, afirmou, apesar da instabilidade, a pior no país desde o fim da guerra civil. Ele assegurou que a região permanece um local seguro para investidores. “Há muitas pessoas que continuam investindo hoje com essa situação”, concluiu.
Por Opera Mundi publicado pela RBA