A maioria dos analistas aponta que, salvo alguma mudança catastrófica de rumo, a assinatura de um acordo com o Irã é uma questão de tempo.
Berlim – Na última rodada sobre as negociações entre o Irã e o Grupo 5 mais 1 (cinco potências nucleares – EUA, Reino Unido, França, Rússia, China e Alemanha), o Secretário de Estado norte-americano John Kerry e o Ministro de Relações Exteriores de Teerã, Javad Zarif, trocaram farpas sobre quem deveria ser responsabilizado pelo recuo de última hora em Genebra.
Kerry disse que havia “unidade” entre o grupo dos 5 mais 1, e que foi a representação iraniana que bloqueou o avanço das negociações definidas por todos como as mais produtivas até agora. Já Zarif acusou Kerry de fazer “declarações contraditórias” e de ter “mudado de posição” de sábado para domingo.
No sábado as negociações estavam a um passo de um acordo preliminar, embora restassem pontos a esclarecer. Mesmo a enviada da União Européia, Catherine Ashton, que atua como mediadora para o grupo 5 mais 1, mostrava-se esperançosa diante do avanço registrado. No domingo as partes ficaram de consultar seus governos e retornar no dia 20 de novembro, num encontro caracterizado como “de nível inferior”, entre “senior officers” ao invés de ministros, como estava ocorrendo em Genebra. De todo modo, os ministros ficarão de prontidão para acorrerem a Genebra se for o caso.
As dificuldades começaram com a chegada do ministro francês, Laurent Fabius. Fabius enfureceu os demais presentes ao dar, logo de saída, uma declaração pública (no rádio) de que “havia problemas” no esboço de acordo, antes mesmo de reunir-se com eles. As dificuldades postas por Fabius eram de duas ordens: o acordo era fraco demais em exigir garantias de que não haveria uso do programa nuclear para fins militares, e também em não exigir a suspensão das atividades na central nuclear (em construção) de Arak.
Kerry acabou concordando em levar a questão a Zarif, que então disse ter de consultar o seu governo a respeito, já que os novos termos mudavam a compreensão do acordo esboçado.
Quando o recuo ficou claro, o premiê israelense Benyamin Netanyahu, entrou em cena pela mídia, chamando para sua atuação o sucesso em bloquear o acordo.
Netanyahu tivera logo antes uma reunião acre com Kerry, onde este lhe pediu que não bloqueasse a negociação em curso. Quando Kerry saiu, Netanyahu fez exatamente o contrário: ficou telefonando para François Hollande, David Cameron, até Putin, trovejando contra a possibilidade de acordo e a suspensão, mesmo que parcial, das sanções econômicas ao Irã. Foi Hollande que mostrou-se mais “sensível” às demandas de Netanyahu, e daí a atuação de Fabius em Genebra.
Entretanto diversas fontes citam também que Fabius demonstrou contrariedade diante do esboço de acordo ter sido feito basicamente entre os EUA e o Irã, e apresentado – nesta alegação – aos demais como um”fato consumado”.
Outros comentários, no entanto, apontam outras razões – pelo menos complementares – para o comportamento de Hollande. Este deve, é certo, ir a Tel Aviv proximamente. Mas vai também à Arábia Saudita, cuja monarquia está furiosa com a aproximação entre o Irã e os EUA, e nesta fúria é apoiada por outros emirados e governos da região do Golfo Persa. Com o afastamento relativo entre Washington e Ryad, a França poderia ocupar o espaço aberto, inclusive em benefício de sua própria indústria armamentista, “carente” de contratos num país à deriva na crise econômica e financeira da Europa.
Muitos analistas vêm a posição de Netanyahu, apesar de sua influência junto à União Européia e os Republicanos e outros falcões nos Estados Unidos, como perigosamente isolada. Apontam que a tensão na região e com o Irã em particular, manejando inclusive a ameaça de um ataque unilateral às instalações nucleares daquele país, é importante para Netanyahu manter uma posição rígida quanto à não realização de concessões aos palestinos.
Porém, dizem tais análises, é altamente improvável que tal ataque se dê sem luz verde em Washington, e que isto é praticamente impossível de ocorrer no momento em que as negociações com Teerã estão avançando a um nível nunca dantes navegado. Além disso ressaltam que é irreal a reivindicação de que o Irã desista completamente de seu programa nuclear e desmantele as suas centrífugas.
O governo do Irã, por sua vez, necessita do afrouxamento das sanções para se afirmar em seu próprio terreno. Apesar do apoio do aiatolá Ali Khamenei, o presidente Hassan Rohani tem fortes opositores na Guarda Revolucionária e no establishment mais conservador da república islâmica. Por isso deve prosseguir na rota das negociações, apesar dos percalços.
Neste sentido, ao mesmo tempo em que as negociações em Genebra chegavam ao presente recuo, Rohani manifestava esperança de que elas prosseguissem no dia 20, e anunciava um acordo com os inspetores da Agência Internacional para a Energia Atômica da ONU sobre a inspeção em dois centros de produção de água pesada para a usina de Arak e mais uma mina de urânio na costa do Golfo.
A posição russa também merece um escrutínio cuidadoso. Ela é o principal sustentáculo no plano da diplomacia do governo de Teerã. Porém, se este se aproximar de fato das potências do Ocidente, seu papel na região poderá entrar em declínio, de modo que Putin deve estar também negociando garantias sobre as ligações com Teerã antes de dar um aval completo a qualquer acordo. De todo modo, a maioria dos analistas que pude consultar apontam que, salvo alguma mudança catastrófica de rumo, a assinatura de um acordo com o Irã é uma questão de mais ou menos tempo, mas acabará ocorrendo.
Apontam também que este acordo é fundam ental para um outro, qual seja, o da Síria. O principal grupo de oposição apoiado pelo Ocidente, a Coalizão Nacional Síria, aceitou participar de conversações (também em Genebra) com o governo de Bashar Al-Assad desde que este permita a formação de corredores humanitários para o atendimento de refugiados e liberte prisioneiros em seu poder. Este passo isola os mais duros do lado dos rebeldes, apoiados pela Arábia Saudita, na negação em participar das conversações projetadas para o futuro próximo. O Irã também tomaria assento nesta mesa – e certamente vai colocar em evidência a ligação entre ambas – esta e a da questão de seu programa nuclear.
A CNS insiste na ideia de Bashar Al Assad não participe de um governo de transição, mas mesmo isto está em aberto, na verdade, porque até um governo como a da Turquia, contrário a Assad, vem sendo apontado como mudando de posição pragmaticamente, convencido de que este não será deposto militarmente.
E a progressiva influência de grupos ligados à Al Qaida vem fazendo os Estados Unidos esfriarem a opção de apoio militar aos rebeldes – o que contribui também para o relativo isolamento da Arábia Saudita em sua pretensão de emergir como a nova potência diplomática hegemônica na região árabe – diante da possível (ou desejada) derrocada do regime sírio e no caso da permanência do isolamento do Irã.
Fontes consultadas: The Guardian, New York Times, Der Spiegel, Haaretz, Jerusalem Post, Al Jazeera, Le Monde, e o site Al-Monitor, cuja leitura recomendo.
Por Flávio Aguiar publicado no Portal Carta Maior