As eleições presidenciais no Chile trazem novidades e repetições. Dentre as novidades, o voto facultativo aponta para a maturidade política de um dos países mais politizados da América Latina; dentre as repetições, a candidata favorita a ganhar o pleito é a ex-presidenta Michelle Bachellet.
Além de as duas principais candidatas serem mulheres, colocando o Chile na vanguarda da política de gênero em matéria eleitoral, um fato chama a atenção pela origem das duas aspirantes: ambas estiveram em lados opostos durante a ditadura militar chilena. Filha de um general que apoiava Allende, Bachellet foi torturada pelo aparelho repressivo do governo autoritário; filha de um ex-ministro de Pinochet, a candidata Evelyn Matthei foi ministra do trabalho de Sebastian Piñera, o atual presidente.
Apesar desses opostos, que revelam a persistência da memória histórica na atual trajetória política do país, a sociedade chilena viu surgir uma nova geração de jovens políticos, saídos do movimento estudantil, em 2011, cuja campanha contra a reforma educacional de Piñera prenunciou os protestos de rua que sacudiram outros países, como o Brasil. A face mais conhecida dessa nova geração, Camila Vallejo, parece romper com esse bipolarismo que teima em se perpetuar na política chilena, ainda que sua plataforma eleitoral seja uma velha conhecida do sistema partidário, o Partido Comunista Chileno.
Grande decepção para muitos que esperavam renovação no Chile, o presidente Sebastián Piñeira, cuja imagem foi forjada no empresário e executivo de sucesso, termina seu mandato com a pior avaliação de um mandatário eleito, desde a redemocratização do país. Demonstrando pouca habilidade política, Piñera ajudou o retorno de Bachellet, que saíra com alto índice de aprovação como presidenta e de uma bem-sucedida atuação internacional como Diretora Geral da ONU Mulheres, a nova organização das Nações Unidas dedicada ao empoderamento feminino.
O macroenfrentamento entre Bachellet, com seu legado de Allende, e Mathei, com seu legado de Pinochet, ainda que de forma simbólica, que aponta para a oposição entre o modelo hiperliberal e o modelo mais social-democrata, não é mais suficiente para governar um Chile que, embora apareça bem em quase todas as estatísticas internacionais, demanda nova governança sócioeconômica inclusiva. Como isso se dará com o retorno de Bachellet ao Palacio la Moneda é uma incógnita; sua solução impactará a governabilidade do país, tanto no Congresso quanto nas ruas.