São Paulo – O Tribunal de Justiça do Estado determinou o relaxamento da prisão dos dois jovens detidos segunda-feira (7), durante manifestação na capital paulista, com base na Lei de Segurança Nacional (LSN). Humberto Caporalli, de 24 anos, e Luana Bernardo Lopes, de 19 anos, foram presos após um quebra-quebra na região central da cidade.
Entre outras tipificações, a Lei nº 7.170 de 1983 considera crime “incendiar, depredar, provocar explosão, praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo, por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas”.
O delegado titular do 3º Distrito Policial, Antônio Luis Tuckumantel, onde o caso foi registrado, defende a aplicação da lei, que data do período ditatorial. “Se existe uma lei mais severa, por que não aplicá-la?”, perguntou Tuckumantel.
Ele disse à Agência Brasil que recorrer a essa lei é também uma forma de pressionar legisladores para enfrentar a questão. Para ele, uma lei mais enérgica é necessária. Segundo o delegado, se o que era considerado crime naquele período, continua valendo, a lei deve ser usada. “Ela está em vigência, não foi revogada. E por que ninguém usa?”, questionou.
O advogado dos jovens, Geraldo Santamaria Neto, disse que eles devem ser soltos ainda hoje. “O alvará de soltura já foi expedido. É só esperar o trâmite burocrático. Eles não foram pegos praticando nenhum delito”, disse Santamaria Neto, que integra o grupo Advogados Ativistas.
De acordo com o advogado, Caporalli e Luana estavam na entrada no Metrô República, voltando para casa, quando foram detidos pela polícia. “O depoimento das testemunhas, que são os próprios policiais, não evidencia nenhum dos crimes que foram imputados a eles”, ressaltou Santamaria Neto. Ele informou que a decisão do juiz Marcos Vieira de Moraes rejeita o enquadramento do caso como infração à LSN. “No caso dessa lei, a competência seria da Justiça Federal”, esclareceu.
Na manhã de hoje (9), Caporalli foi transferido do 2º Distrito Policial para o Centro de Detenção Provisória Belém 2. A estudante já havia sido transferida ontem para a penitenciária de Franco da Rocha.
Os jovens, que, segundo a Polícia Militar, estavam envolvidos na depredação de uma viatura policial, foram indiciados especificamente pelo Artigo 15 da LSN, que qualifica como crime “praticar sabotagem contra instalações militares, meios de comunicações, meios e vias de transporte, (…) e outras instalações congêneres”. “A viatura é um meio [de transporte] imprescindível, que foi violado e isso impede o trabalho da polícia”, disse Tuckumantel.
Para concluir o inquérito, o delegado pretende ouvir ainda proprietários de estabelecimentos depredados durante a manifestação ocorrida nos arredores da Praça da República. “Temos também um vídeo gravado por eles, uma bomba de gás lacrimogêneo que, embora [estivesse] detonada, estava na posse deles, e é de uso restrito da polícia”, acrescentou. Segundo ele, as filmagens mostram o rosto dos que estão presos no momento em que praticavam os delitos.
Santamaria Neto questiona a existência desse vídeo, que não foi incluído como comprovação do flagrante. “Eles não praticaram nenhum ato ilícito, e os elementos trazidos pela polícia não evidenciam nenhum indício de autoria deles. O vídeo não foi juntado ao processo e não há essa informação, tanto que o juiz entendeu que o flagrante foi ilegal”, explicou.
O jurista Walter Maierovitch, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo, considera equivocado o uso da LSN no caso. Segundo Maierovitch, o próprio Código Penal solucionaria o problema, com o uso do Artigo 288-A, recentemente incluído, que trata sobre organização para a prática de crimes e prevê pena de quatro a oito anos de reclusão. “Esse é o enquadramento correto, e não o uso de uma lei específica, que era para garantir a ditadura militar.”
Maierovitch manifestou-se contra a violência policial durante as manifestações e disse que o que os policias podem e devem fazer é realizar trabalhos de identificação e postular a prisão preventiva e a prisão temporária. “Nada dessa história de violência com uso de balas de borracha sem necessidade.”
O jurista Dalmo Dallari, professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), também considera inadequado avalia o uso da LSN no caso dos dois jovens. De acordo com Dallari, a própria lei estabelece limites para sua aplicação. “Não é em qualquer caso de violência. Tem que ser um tipo de violência que leve ou exponha ao perigo a integridade territorial e a soberania nacional. Esses atos não têm, nem de longe, esse efeito.”
Outros fatores limitantes da lei, expressos no próprio texto, citados pelo jurista são os casos de risco ao regime representativo e democrático e aqueles em que tais atos sejam praticados contra o presidente da República ou contra membros do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal. “Esses atos não têm esse alcance. Não atingem essa gravidade”, afirmou.
Dallari ressalta, porém, que o fato de a lei tenha sido criada no período ditatorial não é um problema. “Temos muitas leis feitas na ditadura que estão em vigor e se aplicam. O problema aqui é que a própria lei define a hipótese em que poderia ser aplicada. O ato que eles [Caporalli e Luana] cometeram é crime, mas enquadrável no Código Penal.” Para o jurista, o enquadramento mais adequado seria o de formação de quadrilha.
Por Camila Maciel e Fernanda Cruz, Repórteres da Agência Brasil