Produtor rural narra decepção com os agrotóxicos, que quase o levou à morte depois de dívidas e envenenamento. Experiência agroecológica prova que é possível produzir alimentos saudáveis sem depender dos pacotes tecnológicos

Os agricultores da minha idade nasceram praticamente dentro de uma lata de veneno. Eles não conheceram agricultura antes do veneno”.

Aos 50 anos e após sofrer duas intoxicações por agrotóxicos que quase tiraram sua vida, o agricultor e amigo do MST Luiz Bueno, natural da Lapa, no Paraná, acabou por descobrir a agroecologia e começou a plantar alimentos saudáveis.

Luiz se define como “fruto do êxodo rural”. Seus pais eram agricultores, mas venderam as terras e foram viver como operários na cidade na década de 1960, em busca de melhores condições de vida. Morou na zona urbana até seus vinte anos, quando adquiriu uma propriedade de 20 hectares e decidiu trabalhar como agricultor tradicional.

Sua produção inicial se baseava no cultivo de batata e feijão de maneira convencional, utilizando grandes quantidades de agrotóxicos e fertilizantes.

Ele sonhava em ficar rico por meio do trabalho. Queria ganhar muito dinheiro e ter pelo menos dois carros zero quilômetro na garagem. Ao invés disso, o que ganhou com o uso intensivo de agrotóxicos foram duas intoxicações, que por pouco não acabaram com sua vida.

Na segunda vez em que se intoxicou, plantava feijão com o agrotóxico Furadan. O veneno é líquido, mas vira um pó depois que se mistura com a semente. Quando Luiz colocou esse saco dentro da plantadeira do feijão, o pó levantou e ele respirou tudo. Os sintomas apareceram de imediato.

“Babava, deu ânsia de vômito e ansiedade. Veio uma chuva forte, entrei no carro e não agüentei. Mesmo com a chuva muito forte eu fui obrigado a abrir os vidros do carro porque me deu ansiedade e eu não conseguia ficar em ambiente fechado. Acredito que até hoje tem intoxicação na minha corrente sanguínea desses produtos químicos, tanto que o Folidol, pulverizando feijão, até hoje se eu passar numa lavoura que tem o princípio ativo do Folidol eu me sinto mal.

A intoxicação não foi o único problema sofrido por Luiz em seus tempos de lidar com a agricultura convencional. Alguns acidentes no manejo do agrotóxico fizeram com que ele derrubasse baldes de veneno em um rio próximo à sua propriedade, e o endividamento que teve com o Banco do Brasil por conta do crédito foi muito grande.

Produção agroecológica

Ao perceber que a agricultura acabaria com sua vida, Luiz decidiu abandonar o ofício e resolveu abrir uma loja que vendia insumos e ração. Algum tempo depois, foi convidado pelo Sindicato dos trabalhadores rurais da região, com quem tinha fortes ligações, a participar de um dos encontros de agricultores familiares na associação Agricultura Familiar e Agroecologia (AS-PTA).

Após este primeiro encontro, viajou para o Rio Grande do Sul onde participou do seu primeiro curso de agroecologia. Ao descobrir uma nova forma de produzir, as esperanças de Luiz na agricultura se reanimaram e, ao voltar para casa, resolveu aplicar o que tinha aprendido e banir os agrotóxicos de sua forma de produção.

Luiz realiza ao longo de mais de 20 anos a produção agroecológica em sua área. Além de não usar agrotóxicos, a diversidade de produtos na área agroecológica, de apenas 1,5 hectares, é muito grande. A propriedade tem cerca de 46 produtos diferentes, como acelga, alface, almeirão, repolho, rúcula, cheiro verde, couve, uma grande quantidade de hortaliças, pepino, abobrinha, batata doce, mandioca, milho, feijão e frutas como pêssego e maçã.

Por meio de uma agroindústria que abriu com alguns sócios, ele também produz vinho e vinagre de maçã orgânicos. Os produtos de Luiz são comercializados pelo Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), além de feiras agrárias na região.

Os outros hectares da propriedade são utilizados para a criação de animais, que geram o adubo para a horta, garantindo a alimentação do solo natural. “Você fecha um ciclo: o esterco vira alimento novamente. Através dos estercos é possível um lixo, que seria uma coisa contaminante, você fazer ele retornar em forma de alimento saudável, digo que é quase uma alquimia o agricultor agroecologista conseguir transformar esterco em alimento. Não precisa irmos buscar adubo químico das multinacionais.

Educação

Luiz só estudou até a sétima série, mas o seu interesse pela agroecologia foi tanto que realizou diversos cursos e especializações na área. A busca pelo conhecimento, aliada à vivência com a terra, mudou a sua visão de como entender e lidar com ela.

“Essa visão que tenho hoje é um amadurecimento que a vida me ensinou durante esses 18 anos que conheci a agroecologia. Antes eu só via a terra como ferramenta para gerar lucro e dinheiro. Não pensava no solo, tinha essa visão que o solo é simplesmente um lugar sólido para pôr o adubo, como se o solo fosse morto, não existisse nada ali, e tudo você tivesse que trazer do pacote tecnológico.

Para Luiz, o agrotóxico é um dos principais causadores da degradação do solo, e não traz nenhum efeito positivo.

“Falo com segurança, sem medo de falar besteira, com formação técnica e como agricultor, de que o veneno não tem nada de bom para nos oferecer. Fui um agricultor que usei veneno, e com o uso do veneno se teve algo que consegui fazer foi me intoxicar e fazer dívida em banco. A minha dívida no Banco do Brasil, quando estava trabalhando com produção de batatinha, daria para comprar três carros zero quilômetro. Esse era o valor da minha dívida. Com isso, ganhei uma depressão, e somando o veneno mais o endividamento, por muito pouco não cometi suicídio.”

Luiz critica ainda o fato de muitos agricultores familiares terem “um pensamento de fazendeiro”, que tendo pouco hectares de terra já plantam soja e usam venenos.

“Não herdamos a terra dos nossos pais, pegamos emprestada dos nossos filhos e netos.”

De São Paulo, para a Radioagência NP, José Coutinho Junior.