As intensas mobilizações realizadas em junho em todo o país – além de barrar o aumento das tarifas do transporte coletivo nas grandes cidades brasileiras – conseguiu alavancar temas que estavam estagnados na esfera institucional, como a reforma política.
A proposta de uma reforma política foi lançada pela presidenta Dilma Rousseff como uma resposta às insatisfações populares. De cara, o governo chegou a sugerir a convocação de uma constituinte específica para o assunto mas, por fim, preferiu propor ao Congresso Nacional a realização de um plebiscito.
Junto com a entrega da proposta aos congressistas, em 2 de julho, o Executivo apresentou cinco pontos que poderiam ser submetidos à consulta da população. Os temas tratam do financiamento de campanha (privado, público ou misto); sistema eleitoral (proporcional, distrital, distrital misto etc.); existência de suplência no Senado (os senadores suplentes, hoje, não são escolhidos por meio de voto); manutenção ou fim das coligações partidárias; e voto secreto no Parlamento (utilizado para a análise de vetos presidenciais e na cassação de membros do Congresso).
Reforma tímida
A reforma política é uma pauta antiga de movimentos sociais e organizações populares, que reivindicam alterações no sistema político do país. Se o anúncio de mudanças agradou às entidades, o desenrolar dos acontecimentos se transformou em um balde de água fria.
O principal problema da proposta, segundo o integrante do Instituto Nacional de Estudos Socioeconômicos (Inesc), José Antônio Moroni, foi levar em consideração apenas questões referentes ao sistema eleitoral.
“Foi uma frustração porque reduziu a questão da reforma política a alguns pontos da reforma eleitoral. A não ser o financiamento público e exclusivo para tirar a influência do poder econômico nas decisões, os outros [pontos] são perfumaria”, analisa. Ele lembra ainda que dois dos itens da lista – relativos à suplência de senadores e ao voto secreto – estão em vias de serem votados no Congresso.
Moroni também é integrante da Plataforma pela Reforma do Sistema Político, que reúne 39 movimentos e articulações. Ao todo, a rede agrega mais de 900 grupos em todo o Brasil. De acordo com ele, a proposta do governo não contempla as aspirações da Plataforma, que luta por uma reforma que aumente os espaços de participação popular. “Quando falamos em reforma política estamos falando da questão do poder, dos mecanismos para exercício e controle desse poder. Para nós, reforma política é muito mais do que reforma eleitoral. Reforma eleitoral é um dos aspectos, mas não é o único e talvez não seja o mais importante”, esclarece.
O professor de Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) Cesar Sanson tem opinião semelhante. Para ele, as questões levantadas pelo governo de Dilma estão longe de corresponder a uma reforma política. “Os pontos que estão emergindo no debate dizem respeito a uma reforma eleitoral. Reforma política é fortalecer essa democracia direta e participativa, e isso não está se vendo no plebiscito”, afirma.
A realização do plebiscito tem o apoio do Partido dos Trabalhadores (PT). O vice-presidente da sigla, Alberto Cantalice, defende o teor das propostas apresentadas pelo Executivo. Para ele, questões como o financiamento público de campanha – defendido pela legenda – podem trazer melhorias para a política nacional.
“A crise da representação brasileira, motivada principalmente pelo financiamento privado das campanhas e por essa força do poder econômico no processo eleitoral, criou um Parlamento que não representa a sociedade brasileira”, argumenta.
Todo o poder ao povo
Que tipo de reforma política, então, defendem os movimentos sociais? De acordo com José Antônio Moroni, é necessário ir além das mudanças eleitorais e criar mecanismos para dar à população condições reais de participar das decisões do país. Um instrumento fundamental, nesse sentido, é a possibilidade de os próprios cidadãos convocarem plebiscitos e referendos – competências hoje exclusivas do Congresso Nacional. Além disso, seriam estabelecidos, de antemão, quais temas deveriam ser definidos pela própria população.
“Grandes projetos de impacto socioambiental, alienação de bens públicos, privatizações, concessões, há uma série de questões que é a população que tem que decidir se quer ou não”, pontua o integrante do Inesc.
As propostas dos movimentos sociais para a reforma política estão reunidas em um projeto de lei de iniciativa popular. Além do poder de convocação de plebiscitos e referendos, o PL defende ainda financiamento público de campanhas e a possibilidade de revogação de mandatos. O documento pode ser acessado na página da Plataforma:http://www.reformapolitica.org.br.
O advogado e membro da organização Consulta Popular Ricardo Gebrim também defende mudanças no atual sistema político. Para ele, o desgaste do atual modelo, no qual interesses econômicos atropelam as demandas populares, está na raiz dos protestos das últimas semanas.
“Os limites dessa democracia representativa e principalmente os limites de uma estrutura de transações, com acordos escusos e necessidade de caixa 2, são elementos fortes de desgaste na população”, avalia.
A própria América do Sul, para Gebrim, oferece bons exemplos de participação popular. O Uruguai é um caso: o país vizinho permite que sua população convoque referendos e plebiscitos para decidir temas importantes, como a privatização de recursos naturais.
“Várias tentativas de privatização foram impossibilitadas porque o povo reuniu assinaturas em número suficiente e convocou um plebiscito”, ressalta o membro da Consulta Popular. Os uruguaios adotam, ainda, o financiamento público para campanhas e utilizam o sistema de prévias eleitorais, no qual qualquer cidadão, filiado ou não, está apto para escolher os candidatos dos partidos.
Desafios no Congresso
A realização do plebiscito ficará a cargo agora do Congresso Nacional, o que não anima integrantes de movimentos sociais e lideranças do Partido dos Trabalhadores. O vice-presidente do PT Alberto Cantalice prevê dificuldades pela frente. A tendência, segundo ele, é de que haja pressão para se fazer um referendo, e não um plebiscito. “Mas nós vamos insistir no plebiscito e para que os pontos que defendemos sejam incluídos na proposta de plebiscito para o povo”, garante.
Para José Antônio Moroni, a pressão popular será fundamental para direcionar os rumos do plebiscito em favor de mudanças positivas para a população. “Se a gente for esperar que o Congresso faça isso, não vai fazer. E, se fizer, vai ser em uma lógica de manter os grupos que estão no poder”, alerta.
O objetivo do governo era fazer com que as novas regras já valessem para as eleições de 2014. Contudo, o vice-presidente, Michel Temer (PMDB) admitiu que não haverá tempo hábil para aprovação das propostas antes de outubro do próximo ano.
Por Patrícia Benvenuti, da Redação do Brasil de Fato