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Rio de Janeiro – Obras banidas da sociedade, por motivos políticos ou religiosos, faziam parte do acervo pessoal de dona Maria I, rainha de Portugal e mãe de dom João VI. Livros proibidos pela Santa Inquisição, que deveriam ter sido queimados, na verdade permaneceram guardados nas estantes da corte, escapando da destruição. Quando a Família Real veio para o Brasil, em 1808, trouxe de navio um acervo estimado em cerca de 60 mil obras, incluindo aquelas que deveriam ter sido destinadas à fogueira.

Uma pequena parte desses livros pode ser vista na Biblioteca Nacional (BN), na exposição É Proibido… mas a Rainha Pode. São 20 obras escolhidas pela curadora da mostra, a bibliotecária Ana Virgínia Pinheiro, chefe da Divisão de Obras Raras. Segundo ela, a criação da BN – historicamente reconhecida a dom João VI – deveria ser creditada à dona Maria I, uma personagem pouco estudada e que ficou conhecida para os brasileiros como Maria, a Louca, por conta de seus problemas mentais, mas que em Portugal era conhecida como Maria, a Piedosa.

“O objetivo é resgatar um pouco a imagem dessa mulher, que enlouqueceu por conta de todos os filhos que perdeu [dos sete que gerou, apenas dom João VI sobreviveu]. Ela foi a primeira rainha portuguesa, mas, para isso, a legislação da época teve que ser alterada, e ela precisou casar com um tio, para que a coroa continuasse sob o controle da família Bragança.”

Segundo a bibliotecária, os livros eram censurados ou banidos por motivos que desagradassem a Igreja ou os reis. Em alguns casos, as páginas tinham trechos riscados ou cobertos por panos. Em outros, páginas ou capítulos inteiros eram suprimidos.

No raríssimo Margarita Philosophica Nova Cui Annexa Sunt Sequentia, de Gregor Reisch, publicado em 1515, considerado a primeira enciclopédia moderna, a figura do corpo humano, onde aparecem os órgãos internos, tem a genitália escondida por uma peça de roupa desenhada posteriormente. Em outra obra, Dialogos de Varia Historia, de Pedro Mariz, publicada em 1598, sobre biografias de reis e rainhas de Portugal, o verbete sobre a rainha Santa Isabel acabou suprimido, provavelmente pelo Tribunal da Inquisição, pois ela era apresentada como uma rainha milagrosa.

No livro Regitrum Huius Operis Libri Cronicarum cum Figuris et Ymagibus ab Inicio Mundi, conhecido como Crônica de Nuremberg, publicado por Hartmann Schedel, em 1493, que se propõe a contar a história do mundo, o verbete sobre a papisa Joana foi rasurado e coberto por papeis colados. A papisa Joana teria vivido no século IX e, com identidade masculina, ingressou em um mosteiro, chegando a cardeal e depois a papa, sucedendo a Leão IV, adotando o nome de João VII. A história, porém, coloca em dúvida sua existência, pois há falta de documentação. Para alguns, os registros teriam sido destruídos para apagar sua memória.

“Havia a censura moral, a autocensura, a censura política, a censura religiosa, a censura social. Eram várias formas de controlar o circuito da informação, a partir do ponto de vista de uma determinada época”, destacou Ana Virgínia. Ela lembra que cada período histórico teve seus episódios de censura. Durante a ditadura militar brasileira, por exemplo, exemplares condenados pelos censores não podiam ser exibidos na Biblioteca Nacional e tinham de ficar fora de catálogo, embora os bibliotecários, pelo amor e dedicação aos livros, dessem um jeito de esconder os exemplares, para que não fossem eliminados.

A exposição pode ser vista de segunda-feira a sexta-feira, das 10h às 17h, até 5 de julho. A entrada é gratuita. Outras informações podem ser obtidas na página da Biblioteca Nacional na internet: www.bn.br.

Por Vladimir Platonow, Repórter da Agência Brasil