Policiais militares da Bahia se infiltraram nas redes sociais depois das manifestações nacionais nas últimas semanas, e estão participando clandestinamente de reuniões dos grupos que organizaram as passeatas na Bahia, na semana passada, filmando e fotografando pessoas identificadas como “lideranças”.
A revelação foi feita em entrevista por um capitão da PM baiana há duas semanas na Academia da Polícia Militar, onde acontecem os cursos de formação para policiais civis e militares para a Copa de 2014. Embora afirme considerar esse tipo de operação “normal”, o oficial pediu para que seu nome não fosse revelado pela reportagem por temer punições do comando da corporação. As informações foram confirmadas e detalhadas nessa quarta-feira (26), dessa vez em entrevista realizada por telefone.
Segundo o capitão, o acompanhamento dos movimentos pela Coordenadoria de Missões Especiais (CME), a central de inteligência da PM, na Bahia, começou a ser realizado antes mesmo do primeiro protesto em Salvador, dia 17 de junho. A essa altura, as manifestações já eclodiam pelo país, e a inteligência da PM passou a vigiar a troca de informações pelo Twitter e, principalmente, pelo Facebook. Agentes criaram perfis falsos e se inseriram em comunidades com objetivo de obter informações sobre os eventos marcados, os locais das reuniões preparatórias, o trajeto das passeatas e para identificar os possíveis líderes.
“A gente busca saber quem é o líder, porque se ele for neutralizado o movimento perde a cabeça. Isso é estratégia militar para qualquer situação do gênero: a gente identifica para ter noção de espaço, coordenação, de norte”, explica o oficial da PM.
Nos protestos de hoje (27), diz ele, os líderes não se apresentam, o que dificulta a atuação da PM. “A gente busca informações até para subsidiar as negociações, mas há uma certa dificuldade. O perfil do líder pode surgir tanto nos comentários nas redes como nas reuniões. Monitoramos também as pessoas que estão à sua volta, porque é normal, se algo acontecer com aquele líder, ter um outro para assumir. Tem que identificar a segunda cabeça e verificar se tem uma organização pensante”, diz.
Outros alvos de atenção são definidos através de “bandeiras sociais”, “dos partidos políticos” a que pertencem e pela atitude dos manifestantes, “se as pessoas estão escondendo o rosto, ou se declaradamente se apresentam e como agem”, detalha.
Com os dados e fotos levantados pelos infiltrados, um grupo específico de policiais, via de regra oficiais da PM, faz a “análise técnica” para planejar as ações na hora do conflito, ele explica: “Hoje no Brasil não existe possibilidade de prisão para averiguação. Então, o que fazemos é dar corda para essas pessoas que identificamos como suspeitas. O infiltrado sugere algo, a liderança não acata, pode também incitar atos. A ideia é esperar que ela cometa ações previstas em lei, como incitação à violência, ou outros atos criminosos, gravar e ter, com isso, respaldo jurídico para a sua responsabilização”, afirma o capitão.
Apesar do monitoramento, o oficial da PM diz que também eles foram surpreendidos nas últimas manifestações. “Pessoas atiraram coquetéis molotov contra os policiais. A gente não tem como prever, como dizer, que ‘esse grupo é radical, então vamos descer madeira’ (partir para o confronto), mas também é muito raro que a gente identifique a liderança na hora do conflito. Normalmente, fazemos isso antes, mas nem sempre esse tipo de radical se manifesta nas redes ou nas reuniões”.
A Polícia Militar prendeu dezenas de pessoas nas últimas manifestações em Salvador durante a Copa das Confederações. A primeira, do dia 17, convocada pelo Movimento Passe Livre foi mais branda. Mas a partir do segundo dia de protestos, em 20 de junho, data do jogo Uruguai e Nigéria, os confrontos se intensificaram, principalmente em Campo Grande e no entorno da Arena Fonte Nova. Dois dias depois, houve mais violência em Campo Grande, Vale dos Barris e Iguatemi (Avenida Paralela), no centro financeiro da cidade. Dezenas de pessoas foram atendidas em hospitais intoxicadas com gás lacrimogêneo, feridas por balas de borrachas e até com fratura nas pernas. Entre os feridos, vários jornalistas. Três PMs forçaram ainda o fotógrafo de um jornal local a apagar as fotos do conflito. Os abusos estão sendo investigados pelo Ministério Público Estadual da Bahia.
Infiltrados mas manifestações
Os infiltrados da PM atuam não apenas na investigação prévia da organização das manifestações mas também durante os eventos, diz o mesmo oficial, referindo-se a esses protestos.“Encontramos vários coquetéis molotov. Fomos descobrindo isso na hora. Até porque, a manifestação surgiu pacífica. A partir de determinado momento ela foi ganhando dimensão que não era esperada e passamos a nos atentar mais pra isso. Tanto que, por conta das informações das reuniões, das pessoas que foram sendo presas e da possibilidade de serem usados esses mesmos produtos (bombas caseiras) por manifestantes em outros protestos, começamos a aumentar a segurança no entorno da Fonte Nova”, afirmou.
O oficial disse ainda que os agentes de inteligência da PM tentam influenciar os manifestantes. “O infiltrado tenta, dentro daquela organização, identificar os pacíficos do grupo e sensibilizá-los para que eles mesmos retirem ou censurem os radicais”. Cita como exemplo, a postura adotada pelos manifestantes no Rio de Janeiro: “As pessoas começaram a sentar no chão. Quem tivesse errado ficava em pé. Esses seriam recriminados pela própria organização, sem a presença da polícia. A PM, não só da Bahia mas de todo o país, se aproveitou dessa informação para disseminar isso na rede, porque facilita a identificação de quem é quem naquele grupo”.
Ele afirmou que, apesar da violência policial e de considerar normal ações como infiltração, a grande maioria dos policiais que conhece se posiciona favoravelmente às manifestações. “Muitos estão expondo suas opiniões pelas redes sociais. Eles querem um país melhor, estrutura diferente do que está hoje, mas dentro de um respeito, de uma ética. A grande maioria dos governos não tem atendido os anseios da tropa e ela tem demonstrado insatisfação. Isso é fato. A gente tem mostrado através do diálogo, estabelecido cronogramas de ação, tentado discutir de maneira legal, nas câmaras temáticas, enfim temos buscado um acordo para não chegar ao ponto de parar o serviço”, alerta.
Ele diz ainda que, na rede, os policiais militares que criticam o fechamento de ruas foram cobrados por terem feito a mesma coisa durante a violenta greve dos policiais na Bahia, entre 31 de janeiro e 11 de fevereiro de 2012. Na ocasião, Salvador tornou-se um cenário de guerra, com avenidas interditadas por manifestantes, ocupação da Assembleia Legislativa, queima de ônibus e denúncias de execução ou facilitação da ação de grupos de extermínio. Das 187 mortes ocorridas nesses 12 dias, a Polícia Civil atribuiu pelo menos 45 a essas organizações paramilitares.
“Na greve da PM, avenidas foram fechadas, teve gente que tocou fogo em ônibus e houve pessoas que mataram, mas aquilo não era um posicionamento oficial do grupo. A dificuldade de você fazer um movimento como esse é manter o controle. Tem sempre um que vai se infiltrar e fazer algo que está além do previsto no script. Todas aquelas ações de incêndio em coletivo, de militares que comprovadamente assassinaram moradores eles vão responder, tem de ser punidos. A gente não pode usar o erro de alguns e generalizar. Existem pessoas honestas, que respeitam o direito dos outros e que precisam também ser ouvidas”, argumenta o oficial.
Por Lena Azevedo, da Pública