‘Éramos até pouco tempo atrás o país mais desigual do mundo. Houve avanços, mas ainda estamos no final da lista. O reflexo disso está nas ruas’, afirma professor, para quem ‘milagre do lulismo’ acabou.
São Bernardo do Campo – Para o professor André Singer, do Departamento de Ciências Políticas da Universidade de São Paulo (USP), o país pode estar à beira de um novo ciclo de conflito relacionado à distribuição de renda no país. Segundo ele, quem tem ido para as ruas é de fato a classe média, mas as manifestações contam também com uma nova classe trabalhadora, incorporada recentemente ao mercado, mas ainda em empregos precários, de baixa remuneração, e sujeitos à rotatividade. Pessoas que querem mais investimentos sociais, observa, enquanto o Estado, sob impacto da crise internacional, recebe pressões para cortar gastos. “Éramos até pouco tempo atrás o país mais desigual do mundo. Houve avanços, mas ainda estamos no final da lista. O reflexo disso está nas ruas”, disse Singer, que participou hoje (19) de plenária da Confederação Nacional dos Metalúrgicos da CUT.
O analista acredita que o Brasil presencia o movimento de massas mais importante desde o impeachment de Fernando Collor, em 1992, e que caminha para se tornar o mais significativo desde a campanha das Diretas Já, em 1984. O que acontece agora também pode ser interpretado como uma reação ao que ele chama de processo de burocratização das organizações. Nesse sentido, ele dirigiu-se aos metalúrgicos para alertar sobre os riscos de uma possível excessiva institucionalização que poderia atingir o movimento sindical. “A base precisar estar sempre atenta.”
Singer avalia que a aliança de governo formada em 2003 foi não apenas política, mas de classes. Ele entende, porém, que o período de “milagre do lulismo” acabou em 2008, mas isso não foi percebido imediatamente. “O que não se viu é que a crise ia se estender no tempo, sem horizonte claro para terminar. Ao não terminar, está batendo na economia brasileira e nas condições que propiciaram o milagre. Esses movimentos são de fato heterogêneos, mas acho que há uma direção: querem mais gasto público, mais gasto social.”
E o que foi esse milagre? Segundo o professor, consistiu em realizar mudanças no país sem ruptura nem confronto com o capital, mantendo uma política econômica “neoliberal” e ao mesmo tempo promovendo aumentos expressivos do salário mínimo e uma transferência de renda a níveis nunca vistos, além de aumentar o crédito, melhorando de forma expressiva as condições da “camada de baixo” da pirâmide social. “O problema brasileiro é que até pouco atrás metade da população não estava incluída nas condições mínimas, com carteira assinada, por exemplo. Estava fora da luta de classes.”
O Brasil também foi favorecido por uma conjuntura econômica mundial que mudou, para melhor, exatamente em 2003, incluindo valorização das commodities, o que fez dobrar o valor das exportações brasileiras. “Um elemento de sorte, complementado pelo que Maquiavel chamou de virtú“, observou Singer. “O presidente Lula soube muito bem aproveitar as circunstâncias.” Ele acredita que a presidenta Dilma Rousseff tomou medidas corajosas, como estimular uma política de redução de juros, comprar uma briga com os bancos pela diminuição do spread e alterar as regras de remuneração da poupança, no que ele chama de “ensaio de desenvolvimento”. Mas a falta de investimento atual pode indicar, segundo o professor, “os limites do pacto de classes” promovido no início do governo Lula.
Agora, ouve-se o “apito da panela de pressão”, expressão usada há tempos nos protestos estudantis. “É possível que a gente esteja na beirada de um novo ciclo de conflito distributivo.”
Ele não vê risco de golpe, como um metalúrgico chegou a perguntar, mas observou que as pessoas têm de se manter atentas para defender a democracia. “Foi uma conquista muito árdua e intensa sobretudo para a classe trabalhadora.”
Por Vitor Nuzzi, da RBA