Há quarto anos, o presidente Obama anunciou em Praga sua visão e comprometimento por um mundo sem armas nucleares. Alyn Ware, coordenadora global dos Parlamentares para a Não-Proliferação Nuclear e Desarmamento, relata uma série de ações que completam mais um ano, e questiona se essa visão continua viva e ainda é possível de ser atingida, ou se é apenas um sonho irreal que caiu na política da realidade.

Em janeiro de 2009, na semana de inauguração do presidente Obama, recebi uma ligação da embaixada dos EUA em Wellington, Nova Zelândia – minha cidade natal. A vice-embaixadora solicitou uma reunião para que fossem discutidos problemas de desarmamento. Ela disse que o presidente Obama havia enviado uma diretiva às embaixadas dos EUA ao redor do mundo, instruindo-as a se encontrar com especialistas em desarmamento para verificar suas opiniões no que os EUA poderiam fazer pelo desarmamento nuclear.

Fiquei um tanto surpresa. Desde 1984, quando a Nova Zelândia decidiu proibir armas nucleares em nosso país, ato que baniu visitas de navios de guerra com capacidade para portar armas nucleares, incluindo os estadunidenses, os EUA têm deixado a Nova Zelândia de lado. Nossa rejeição por armas nucleares e de dissuasão militar foi vista pelos EUA como uma ameaça à soliedariedade do oeste, e um encorajamento para seus inimigos. Boa parte de minha vida política consistiu em desafiar as políticas de estados de armas nucleares, incluindo os EUA. E agora eu estava sendo convidada para dar conselhos aos EUA? O presidente Obama falava sério ou era apenas um truque? Sabendo do excelente trabalho legislativo que o presidente Obama realizou como senador a respeito deste assunto – e o fato de que ele havia colocado o desarmamento nuclear como um problema central em sua campanha eleitoral, optei por acreditar na vice-embaixadora.

Então compareci à reunião, forneci inúmeras recomendações à embaixada dos EUA e esperei para ver o que o novo presidente faria.

O que se seguiu foi uma série de iniciativas por parte dos EUA, incluindo um recomeço nuclear com a Rússia, a aceitação do status de negação às armas nucleares da Nova Zelândia por parte dos EUA, negociações com os EUA no novo Tratado de Redução de Armas Estratégicas (START, na sigla inglesa) para reduzir as armas nucleares, apoio a uma Zona do Livre de Armas Nucleares e Outras Armas de Destruição em Massa no Oriente Médio (zona que inclui Israel, Estados Árabes e Irã), a Revisão da Postura Nuclear, que reduziu o papel de armas nucleares em políticas de segurança, e compromissos para reconhecer e ratificar áreas livres de armas nucleares no Pacífico e na África.

 

O mais significante, no entanto, foi o discurso proclamado pelo presidente Obama em Praga em 5 de abril de 2009 – em que dedicou sua presidência a buscar a visão de um mundo sem armas nucleares. Foi com essa visão e comprometimento, primariamente, que Obama conquistou o Prêmio Nobel da Paz.

Quatro anos mais tarde, estamos mais perto de um mundo livre de armas nucleares? Ou a visão do presidente era apenas um sonho irreal e chamativo?

De fato, Obama enfrentou obstáculos consideráveis e declínios na implementação de sua visão. O preço determinado pelos republicanos pela ratificação do novo START foi um adicional de $14 bilhões (somados com o orçamento annual de $56 bilhões em armas nucleares) a ser gasto na modernização do complexo de armas nucleares dos EUA – algo aparentemente em discordância com o comprometimento pelo desarmamento nuclear. A conferência patrocinada pela ONU que deveria ocorrer em 2012 para dar início ao processo por uma Zona do Livre de Armas Nucleares e Outras Armas de Destruição em Massa no Oriente Médio ainda não aconteceu – devido a contínuas dificuldades em assegurar o acordo de comparecimento de Israel. A ameaça nuclear no nordeste asiático está aumentando (embora as declarações provocativas de Kim Jong-un não devam ser levadas pelo lado literal). A possibilidade do Irã tornar-se nuclear é prolongada, e poderia estimular ataques militares por parte de Israel. A OTAN recentemente reafirmou que continuará sendo uma aliança de armas nucleares enquanto ainda exitirem armas nucleares no mundo. E as outras nações com posse de armas nucleares – China, França, India, Paquistão, Rússia e Reino Unido – não expressaram nenhum entusiasmo em implementar a visão de desarmamento nuclear em breve.

 

Apesar disso, uma nova onda de otimismo por um mundo livre de armas nucleares está surgindo no início do segundo mandato do presidente Obama como presidente. Sem estar mais preso à necessidade de assegurar uma reeleição como presidente de primeiro mandato, Obama tem mais liberdade para tomar medidas mais corajosas – e parece que é o que está fazendo. Ele está, por exemplo, considerando cortes unilaterais nos estoques nucleares dos EUA – algo que não necessitaria de ratificação por parte do Senado. Chuck Hagel, seu indicado ao posto de secretário da defesa, é membro do Global Zero, uma rede de chefes de estado e politicos que apoiam reduções graduais em estoques nucleares culminando em um mundo livre de armas nucleares até 2030.

Mais de 380 membros do Parlamento Europeu recentemente endossaram uma declaração, organizada pela Global Zero e pelos Parlamentares para a Não-Proliferação Nuclear e Desarmamento (PNND, na sigla inglesa), que apoia o plano da Global Zero.

Na última semana, a União Interparlamentar , que engloba mais de 160 parlamentos mundiais, incluindo grande parte dos parlamentos de países de armas nucleares e aliados da OTAN, concordou em tornar o assunto principal de seu trabalho durante o próximo ano “Por um Mundo sem Armas Nucleares: A Contribuição de Parlamentos”.

Nos EUA, o congressista Ed Markey (um dos co-presidentes da PNND) criou uma tração considerável com seu ato de Abordagem Sensível de Despesas Nucleares (SANE), que propões cortes significantes em estoques nucleares e gastos, buscando ajudar na estimulação da economia e apoiar empreendimentos ambientalmente sustentáveis.

E hoje, para celebrar o aniversário do discurso de Obama em Praga, a senadora Alena Gajduskova, vice-presidente do senado checo, enviou uma carta ao presidente Obama, apoiada por líderes parlamentares da República Tcheca e 10 outros países da OTAN, pedindo a implemetação da Visão de Praga. A carta destaca “o comprometimento da OTAN ‘na criação de condições para um mundo sem armas nucleares’ através da Doutrina Estratégica da OTAN” e afirma compromisso em “preparar o caminho com nossos governos através da promoção de mecanismos e abordagens da OTAN para alcançar segurança sem armas nucleares.”

É claro que o presidente Obama não pode tornar o mundo livre de armas nucleares sem apoio, fator que ele próprio enfatizou em seu discurso em Praga. E até recentemente parecia que o resto do mundo era incapaz de se organizar para dar início a um processo pelo desarmamento global. A Conferência do Desarmamento em Genebra, corpo principal do mundo em negociações de desarmamento, foi bloqueada e não poderá empreender qualquer trabalho de desarmamento por 17 anos. No entanto, em março um novo Grupo de Trabalho Aberto foi estabelecido e é livre para todas os países membros da ONU (nenhuma nação tem poder de veto), e possui a tarefa de “encaminhar as negociações do desarmamento nuclear multilateral para o alcance e manutenção de um mundo sem armas nucleares”.

É claro que os diplomatas deliberados em Genebra irão tão longe quanto forem direcionados pelos governos e pressionados pela sociedade civil. Agora é o momento de considerer as palavras de Obama em Praga, ditas há quarto anos. É necessário “buscar a paz e segurança de um mundo sem armas nucleares.” Precisamos “nos unir pelo direito das pessoas ao redor do mundo de viver livre do medo no século XXI”. “Nós também precisamos ignorar as vozes que dizem que o mundo não pode ser mudado. Temos que insistir, ‘Sim, nós podemos’”.

Traduzido por Susana Boatto