No último dia 05 em Oslo, 127 nações, junto a organizações internacionais e representantes da sociedade civil, concluíram sua conferência de dois dias a respeito das consequências humanitárias de uma guerra nuclear.
As apresentações de organizações, especialistas e sobreviventes deixaram os delegados presentes certos de que as armas nucleares não tem lugar na política global ou na estratégia militar. Peter Maurer, presidente da Cruz Vermelha, disse: “Concluímos que uma forma efetiva de prestar socorro a uma quantidade significativa de sobreviventes de uma detonação nuclear, ao mesmo tempo protegendo adequadamente aqueles que estão prestando assistência, não está atualmente disponível em escala nacional e não é viável em escala internacional.”
O Dr. Ira Helfand, da Físicos Internacionais para a Prevenção da Guerra Nuclear, falando para a ICAN (Campanha Internacional para Abolir as Armas Nucleares, em português), contou aos delegados sobre:
a contaminação radioativa disseminada que afetaria a habitação, a alimentação e o abastecimento de água;
os custos financeiros em termos de danos à propriedade, interrupção das trocas globais e atividade econômica geral, e
o impacto no desenvolvimento, no que concerne à criação de refugiados.
Helfand também guiou os delegados através de um cenário-modelo no qual uma pequena porcentagem das armas nucleares do mundo eram trocadas entre a Índia e o Paquistão, que por sorte eram os únicos estados detentores de armas nucleares presentes. Tal modelo é baseado numa quantidade estimada de 5 milhões de toneladas de fuligem projetada na atmosfera. O que viria depois seria uma queda sem precedentes nas temperaturas globais, mudanças na duração das fases de crescimento e na precipitação. Com essas estimativas, ele projetou como a produção americana de milho seria afetada (a 12 fusos horários de distância) e como a produção chinesa de arroz seria atingida (potencialmente, sofreria queda de 30 a 40% em dois anos).
Além disso, ele apontou que já é estimado que 870 milhões de pessoas estejam sofrendo de desnutrição no mundo, e além das vítimas da guerra propriamente dita, essas pessoas seriam incluídas na estimativa de 1 bilhão que morreriam no resultado imediato de uma guerra nuclear em pequena escala.
Karipbek Kuyukov, embaixador do ATOM Project, do Cazaquistão, cresceu a 100 km de Semipalatinsk, local onde a União Soviética testava armas nucleares. Kuyukov nasceu sem os braços e ilustrou da forma mais poderosa imaginável os efeitos da radiação no DNA humano. Em sua apresentação, ele disse: “Precisamos de um mundo onde não haverá desculpas para Hiroshima e Nagasaki, ou para Chernobylou Semipalatinsk…”
“Vivemos agora num mundo perigoso, gostemos ou não. Se queremos nos proteger, temos que banir as armas nucleares.”
Depois das apresentações formais, as delegações nacionais, uma após a outra, vieram à tribuna para dividir seu horror em relação às armas nucleares e expressar sua resolução de ajudar a eliminá-las.
Ironicamente, foi o Japão que pareceu recomendar alguma cautela ao dizer que o planeta precisa focar em medidas “práticas” para “um mundo de riscos nucleares reduzidos”.
A Nova Zelândia se dirigiu à Conferência sobre Desarmamento, que é um corpo internacional composto por 65 nações, cujos sucessos incluem tratados sobre o uso de armas biológicas e químicas, mas que permanece há anos em um impasse em relação ao desarmamento nuclear. Algumas nações na Conferência sobre Desarmamento criticaram a Conferência de Oslo por enfraquecer seu trabalho e o dos fóruns de revisão do Tratado de Não-Proliferação (TNP), mas a Nova Zelândia veio em defesa, dizendo que não há contradição em promover o desarmamento no TNP e em Oslo. A Irlanda os apoiou, concordando que um enfoque humanitário é totalmente compatível e colaborativo com o TNP.
Mais para o fim das apresentações, o México tomou o palco e, para a grande ovação do dia, convidou o mundo a ir para o México para uma conferência de seguimento, em data ainda a ser definida.
A Ministra das Relações Exteriores da Noruega concluiu com alguns comentários pessoais:
“Acredito que obtivemos sucesso em recompor a questão através da introdução de impactos e preocupações humanitárias no centro do discurso sobre armas nucleares. Tomando esta perspectiva, ficou claro que é preocupação de todos e igualmente legítimo a Estados detentores e não detentores de armas nucleares o envolvimento com este tema. Fazendo isso, acreditamos que estamos levando o debate sobre armas nucleares para fora das arenas de alguma forma institucionalizadas e tradicionalizadas que já existem. Não temos a intenção de substituí-las. Isto é um suplemento, mas acreditamos sim que há um novo senso de urgência que deve governar nosso trabalho nessa área.
Também fomos lembrados, em termos bastante diretos, de que essas armas existem. Não podemos abordá-las por meio de uma estratégia de negação. Elas existem e podem ser usadas. Temos que pensar no impensável e temos que aumentar a conscientização. Estou feliz de ver que tantos atores tomaram o palco aqui, não apenas os Estados, mas também as principais organizações internacionais, a ONU, a ICRC (Comitê Internacional da Cruz Vermelha), acadêmicos relevantes e pessoas instruídas, especialistas e, é claro, a sociedade civil. Nossa experiência no trabalho com a sociedade civil é de que, quando os estados e as organizações da esfera civil interessados trabalham juntos, somos mais de duas vezes mais poderosos do que se tentássemos cada um por si. Isso deve levar a um novo entendimento, uma nova consciência e um novo senso de urgência.”
Vários estados não participaram, mas os mais notáveis entre eles foram os P5, os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU: Estados Unidos, Reino Unido, França, Rússia e China. Se o trabalho feito em Oslo neste fórum não foi suficientemente interessante para que o P5 garantisse sua participação, isso deve com certeza questionar a própria razão de ser da ONU.
Apesar de já haver quantidades imensas de pessoas em situações precárias ao redor do mundo, sob risco de morte quer em zonas de guerra ou em regiões empobrecidas, e este número estar aumentando em países chamados “desenvolvidos” como Grécia e Espanha por causa da crise econômica, e essas situações serem urgentes; ficou claro – e os quatro dias de conferência em Oslo transmitiram bem a mensagem – que as armas nucleares são a questão mais importante que a humanidade precisa resolver.
As mortes e a destruição que o planeta presencia até hoje empalidecerão em insignificância se a família global não apresentar uma reação adequada.
Traduzido por Thayná Moreira