A tremenda desgraça que se está a abater sobre o povo do Mali, que está entre o fogo cruzado de uma atrapalhada intervenção militar estrangeira e a saga assassina de grupos de terroristas islâmicos, está a trazer enormes benefícios políticos ao presidente François Hollande que, de um momento para o outro, viu a sua popularidade subir no seu próprio pais.
O desmedido espaço publicitário que a imprensa francesa está a dar à forma como as tropas do seu país estão a bombardear posições em terra e que lhes permitem, ao fim de um mês de accão, não ter averbado uma única vítima mortal, fez com que o índice de aceitação do presidente francês galopasse nas sondagens cifrando-se, neste momento, nos 43 por cento, embora apenas 37 por cento dos franceses apoiem a sua política económica.
Na sua recente deslocação às cidades malianas de Bamako e Tombuktu, esta última reconquistada e posteriormente perdida a favor dos rebeldes islâmicos, François Hollande fez-se acompanhar por um batalhão de jornalistas que fez questão de captar imagens de uma população esfarrapada a aplaudir o comandante em chefe das forças armadas que estão a destruir o país.
Para melhor compor a sua imagem interna, Hollande deixou-se fotografar em Paris a apertar as mãos ao vice-presidente dos Estados Unidos, o carismático mas pouco articulado Joe Biden, por este ter proferido um discurso onde felicitou o presidente gaulês pela “decisiva” e “incrivelmente competente” acção das suas tropas no Mali.
Este estado de graça em que vive o presidente francês, e que lhe permite aumentar o seu leque de apoiantes no interior do próprio Partido Socialista, contrasta com as perspectivas que se vislumbram para o futuro do Mali.
Os cidadãos franceses que vivem no estrangeiro, que nada têm a ver com a atrapalhada estratégia política seguida pelo seu presidente continuam, entretanto, a ser vítimas das suas decisões.
Depois do ataque perpetrado por terroristas islâmicos contra um campo petrolífero do Mali foi agora a vez de sete cidadãos gauleses terem sido raptados nos Camarões por elementos que tentam vingar a intervenção francesa no Mali.
Neste momento, passada que foi a primeira fase dos bombardeamentos franceses que destruíram a maioria das cidades malianas, os combates registam-se agora nas regiões montanhosas, onde os terroristas islâmicos se movem com extraordinária perícia e beneficiam do apoio de algumas populações locais.
Nestas zonas mais agrestes, como era previsível, as tropas francesas não entram, entregando as despesas dos combates a soldados africanos provenientes, especialmente, do Tchad, Burkina Faso e Togo, que contam com o apoio de guerrilheiros tuaregues que, entretanto, se uniram às forcas armadas do Mali.
Segundo o comando francês que se encontra no Mali está prevista para Abril a chegada ao país da força de intervenção africana quem, sob a égide das Nações Unidas, tentará consolidar as posições conquistadas aos grupos islâmicos e, ao mesmo tempo, vai procurar desaloja-los das regiões montanhosas.
Por essa altura já deverá estar concluída a fase de preparação de um contingente de oito mil soldados malianos que, sob a égide da União Europeia, estarão a ser devidamente preparados nos países vizinhos.
Actualmente, as tropas francesas e malianas estão a entrar naquilo a que chamam de “segunda fase” das operações e que se prende com a defesa das populações que se encontram nas cidades por si ocupadas e que estão a ser confrontadas com ataques e atentados terroristas cometidos por elementos pertencentes aos grupos radicais islâmicos que, na calada da noite, descem das montanhas.
Embora a situação no Mali seja de guerra, a comunidade internacional não se cansa de pressionar politicamente o governo para que prepare a realização de eleições que as Nações Unidas querem que decorra até finais de Julho, de forma a restabelecer aquilo que chamam de “legalidade constitucional”, que terá sido ferida com o golpe de Estado ocorrido há quase um ano.
Foi este golpe de Estado, aliás, que abriu caminho a que os tuaregues proclamassem a independência do norte do país e que tivessem que recorrer ao apoio dos radicais islâmicos para fazer frente ao perigo de um contra-ataque das forças governamentais.
Esses grupos radicais correriam, depois, com os tuaregues que agora se aliaram às forças francesas na luta para expulsar e se vingarem do perigo islâmico que, entretanto, se havia instalado em toda a região.
A desconfiança da população do norte em relação às forças armadas malianas é um obstáculo que ninguém sabe muito bem como vencer. Mesmo agora existem relatos confirmados de atrocidades cometidas por militares malianos contra as populações das cidades libertadas pela aviação francesa.
Desde o cometimento de raptos, violações, assassínios e pilhagens, recaem sobre os militares malianos uma série de graves acusações que fazem com que alguma população ainda apoie os terroristas como uma forma de defesa contra quem tudo lhes tem tirado ao longo dos anos.
O abastecimento alimentar às populações do norte tem estado a cargo, exclusivamente, de comboios de camiões franceses, pois a experiencia inicial de entregar essa missão a tropas malianas deu um resultado negativo, com sucessivos roubos e encaminhamento dos produtos para mercados clandestinos e mesmo para os países vizinhos.
Observadores estimam a existência de cerca de dois mil militantes islâmicos fortemente armados e determinados nas regiões montanhosas e inacessíveis para quem, como os militares estrangeiros, não conheçam minuciosamente a região.
Esses dois mil elementos, entre os quais se encontram alguns suicidas, são uma ameaça constante e que se deverá manter até Abril, altura em que são esperados os tais reforços que estarão agora a ser devidamente preparados para actuar naquele tipo de terreno.
Até lá, com maior ou menor impacto a nível internacional, a situação será de um enorme desespero com o perigo a pairar de forma constante sob uma população sofrida e desconfiada de tudo e de todos.
Enquanto isso, em Paris, François Hollande continuará a colher os frutos de uma decisão que tomou quando nada já tinha a perder uma vez que se encontrava nos índices mais baixos de popularidade e confrontado com uma crescente contestação popular interna face a crise económica em que toda a Europa se encontra.
Daqui a alguns dias, quem sabe, voltará ao Mali escoltado por numerosos seguranças, vestindo um colete a prova de bala e pronto para ouvir mais elogios de uma população que, também ela, já nada tem a perder, por tudo já ter perdido.
E, de regresso a Paris lá estará alguém, como sucedeu com Joe Biden, para lhe dar os parabéns. Os malianos, esses terão que esperar até Abril para saber se viverão sob o perigo constante do terrorismo islâmico ou se continuarão a mercê da sanha predadora dos seus próprios compatriotas que, vestidos de militares lhe sugam de tudo um pouco.
Matéria de Roger Godwin para a Rádio Moçambique