A Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) modificou nesta quinta-feira (29) o status dos territórios palestinos, de “entidade observadora” para “estado observador não-membro” na organização, no que significa um reconhecimento implícito da existência do Estado Palestino.

O pedido palestino foi aprovado por vasta maioria, de 138 votos a 9. Abstiveram-se da votação 41 países.

Apesar de a mudança não alterar o funcionamento da organização, ele permite que a Palestina tenha acesso a agências da ONU, além da sua admissão no Tribunal Penal Internacional – que poderia ser accionado pelas autoridades do território contra Israel.

A petição, combatida por Israel e pelos Estados Unidos, foi apresentada pelo presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, pouco depois das 15h30 no horário de Nova Iorque (23h30 de Maputo) desta quinta.

Discurso de Abbas

Abbas, que foi bastante aplaudido antes, durante e depois do seu discurso de 22 minutos, disse que o povo palestino fez o pedido porque acredita na paz e precisa desesperadamente dela.

Ele pediu aos países da Assembleia que emitam a “certidão de nascimento” do estado palestino, acrescentando que o reconhecimento é a “última tentativa” de salvar o processo de paz entre palestinos e israelitas, sob o espírito da solução de “dois Estados” no Médio Oriente.

Israel contra

Em seguida, o embaixador de Israel na ONU, Ron Prosor, apresentou as razões pelas quais o seu país era contra a petição, que, segundo ele, é “tão unilateral, que afasta a possibilidade de paz” na região, em vez de a perseguir.

“Não há atalhos, não há soluções fáceis”, disse Prosor. “A paz não pode ser imposta de fora.”

Ele acusou a resolução de “criar expectativas que não pode cumprir” e acusou os palestinos de “nunca terem reconhecido” o Estado de Israel.

EUA pedem negociação directa

A representante dos EUA na ONU, Susan Rice, ao justificar o seu voto contrário, pediu aos dois lados que retomem as negociações directas de paz e advertiu contra acções unilaterais.

Manifestações

Na manhã de ontem (quinta-feira), manifestações ao redor do mundo apoiando o pedido palestino anteciparam a reunião. Na Cidade de Gaza, manifestantes foram às ruas com cartazes de Abbas. Refugiados no Líbano fizeram um acto em frente à sede da ONU em Beirute.

A aprovação parecia garantida, já que os palestinos dispõem de um amplo apoio entre os membros, e não era preciso aprovação do Conselho de Segurança da entidade.

Como estado observador, a Palestina poderá assinar convenções da ONU sobre os direitos sociais e políticos e aderir a tratados abertos aos estados.

A proposta reitera o compromisso da Autoridade Palestina com uma “solução de dois Estados”, em que Israel e uma Palestina independente coexistam pacificamente, e destaca “a urgente necessidade de retomar e acelerar as negociações” com Israel sobre as fronteiras, o status de Jerusalém, os refugiados, os assentamentos judaicos e até sobre a segurança e o acesso à água. Essas negociações estão suspensas há dois anos.

A resolução aprova “o status palestino de Estado Observador no sistema das Nações Unidas, sem prejuízo de direitos adquiridos, privilégios e do papel da Organização da Libertação da Palestina como representante do povo palestino”, segundo o rascunho do pedido apresentado às Nações Unidas.

A resolução também pede “um arranjo pacífico no Médio Oriente que ponha fim à ocupação iniciada em 1967 e que considere a ideia de dois Estados; um Estado palestino independente, soberano, democrático, contíguo e viável, que viva ao lado de Israel em paz e em segurança, com base nas fronteiras de antes de 1967”.

Os palestinos são, desde 1974, uma “entidade” observadora na ONU. Com isso, eles participam nas sessões da Assembleia Geral e nas conferências internacionais.

Virar estado observador, status semelhante ao que o Vaticano possui, é um reconhecimento implícito da existência do Estado palestino. Mas não dá direito a voto na Assembleia, nem de propor resoluções e nem de postular a cargos na ONU.

Mas os palestinos esperam que a mudança traga mais condições de pressionar pelo seu reconhecimento e por um território próprio. No Tribunal de Haia, a Autoridade Palestina pretende conseguir com que Israel seja julgado por supostos crimes de guerra.

A votação ocorreu dias após o estabelecimento de um cessar-fogo que encerrou um conflito de oito dias entre palestinos e israelitas na Faixa de Gaza, que complicou ainda mais a retomada do travado processo de paz entre israelitas e palestinos, congelado há dois anos.

Durante os confrontos, pelo menos 166 palestinos e seis israelitas morreram.

Palestina-mapas

Data

Diversas autoridades afirmaram nas últimas semanas que o momento não era o adequado para a petição palestina, incluindo o chefe das Nações Unidas, Ban Ki-moon. “Nenhum de nós deve agir de forma a colocar as conversações em risco”, afirmou.

Mas os palestinos, após 44 anos de ocupação israelita, insistiram em que não tinham outra alternativa.

O presidente palestino Mahmoud Abbas insiste em dizer que não fechou a porta para as negociações, mas com a condição de que Israel pare de construir assentamentos nas terras que os Palestinos reclamam para o seu futuro Estado.

Israel recusa-se a fazer isso, afirmando que o futuro dos assentamentos será decidido só depois de um acordo sobre as fronteiras na região.

A data escolhida pelos palestinos para apresentar a petição teve um significado histórico importante. A 29 de novembro de 1947, a Assembleia Geral da ONU adoptou uma resolução recomendando a implementação de um plano para dividir o que então era uma Palestina governada elos britânicos em estados árabe e judeus independentes. A comunidade judia na Palestina aceitou o plano, mas os líderes árabes, incluindo palestinos, a rejeitaram.

Na data, actualmente também é celebrado o Dia de Solidariedade ao Povo Palestino.

EUA e Israel

Estados Unidos e Israel deixaram claro que votariam contra, e afirmaram em diversas ocasiões que este não é o momento para o tratamento do assunto.

Os dois países afirmam que um estado palestino somente pode ser estabelecido por meio de negociações. As conversas de paz estancaram por causas da construção de assentamentos israeleitas em terras que os palestinos reivindicam para o seu futuro estado.

“A ideia de ir até a ONU e evitar negociações bilaterais com Israel é errada”, disse o embaixador de Israel na organização, Haim Waxman. “Toda a comunidade internacional deve observar o que aconteceu nas últimas semanas e pensar novamente, porque nós vimos uma autoridade palestina em Gaza.”

Israel chegou a estudar algumas medidas de retaliação – entre elas a anulação parcial ou total do Acordo de Oslo de 1993, que estabeleceu a Autoridade Palestina (o que poderia remover o presidente Mahmoud Abbas do poder), e o bloqueio da entrada de trabalhadores palestinos em Israel. Nos últimos dias, entretanto, com a tendência de que o pedido seja aprovado, autoridades israelitas sinalizaram que isso pode não ocorrer.

Nesta quinta, Yigal Palmor, porta-voz do ministério das Relações Exteriores, disse que os acordos já acertados não seriam anulados. “Não temos nenhuma intenção de anular o mínimo acordo concluído, em particular no campo econômico. Tudo o que faremos depois desta votação será aplicar estes acordos ao pé da letra”.

Palmor reafirmou que, ao recorrer desta maneira à Assembleia Geral da ONU, os palestinos procedem “uma violação flagrante dos compromissos que assumiram de solucionar o conflito com Israel por meio de negociações e não com medidas unilaterais”.

O representante palestino na ONU disse que o povo palestino “não deve ser castigado” porque o que está a fazer é “legal e honorável”.

“Acho que nossos líderes, liderados pelo presidente Abbas, tentarão fazer todo o possível para resolver este processo e para que no dia seguinte não haja castigos ao povo palestino, mas, se no final acontecer algo negativo, lidaremos com isso da melhor maneira possível”, comentou o embaixador.

O maior problema para Israel seria ver a entrada da Palestina no tribunal internacional. A sua admissão não seria automática e sim submetida à aprovação da Assembleia dos Estados presentes, ou seja, dos países que assinaram o Estatuto de Roma, tratado fundador do TPI.

Jerusalem-mapaO TPI, encarregado desde 2002 de julgar crimes de guerra e crimes contra a humanidade, é independente da ONU, mesmo quando coopera com a entidade. A sua competência se estende apenas aos estados. Israel e Estados Unidos não fazem parte da corte.

No ano passado, a certeza de um veto dos EUA impediu que o pedido da Autoridade Palestina de se tornar membro total da ONU fosse levado ao Conselho de Segurança da Organização. A proposta deste ano, entretanto, é menos ambiciosa, e não requer aprovação do conselho.

Apesar disso, o Departamento do Estado americano indicou nesta semana que, se a resolução for aceite, não se deverá “contar com uma resposta favorável do Congresso” sobre a libertação de US$ 200 milhões de ajuda prometida por Washington à Autoridade Palestina, confrontada com a sua pior crise orçamentária desde a sua criação em 1993.

Washington cortou também o financiamento para a Unesco quando a agência da ONU acolheu a Palestina em outubro de 2011. A legislação americana proíbe o financiamento de uma agência especializada das Nações Unidas que aceite os palestinos como membros.

União Europeia

Nesse contexto, o apoio da União Europeia pode ser decisivo. Desde o anúncio de que faria o pedido, no início de novembro, diplomatas palestinos passaram a cortejar os países europeus para engrossarem o apoio à proposta. A União Europeia é o maior doador do governo palestino.

O modo como o bloco votou na aprovação da Palestina como membro da Unesco no ano passado mostra como a região está dividida. Na ocasião, 11 países apoiaram a admissão – entre eles a Franca. Cinco foram contra (incluindo a Alemanha) e 11 se abstiveram. Apesar disso, esses votos podem não ser um indicativo do que será a votação desta vez.

O ministro das Relações Exteriores do Reino Unido, William Hague, disse que os britânicos votarão a favor da resolução, mas mediante garantias palestinas de que as negociações de paz voltem a ser realizadas e que Israel não seja processado Tribunal Penal Internacional. “Até o momento do voto nós permaneceremos abertos para apoiar a resolução, se tivermos garantias públicas dos palestinos”, afirmou. O Reino Unido foi o maior estado europeu a se abster durante a votação da Unesco.

Caso os palestinos não deem as garantias exigidas pelos britânicos, o Reino Unido irá se abster na votação.

A França anunciou nesta terça-feira (27) que vai votar a favor dos palestinos. “Vamos dar este voto com consciência e lucidez. Vocês sabem que há anos e anos a posição da França tem sido reconhecer o Estado palestino. Nesta quinta ou sexta, quando a questão for feita, a França vai votar ‘sim'”, disse o ministro francês de Relações Exteriores, Laurent Fabius.

A Espanha e a Suíça também votarão a favor da proposta para que a Palestina vire um “estado observador não membro” das Nações Unidas. José Manuel García-Margallo, ministro espanhol dos Assuntos Exteriores, disse que o apoio ocorre “por coerência com nossa história e porque acreditamos que é a solução mais adequada para nos aproximarmos da paz”.

O Conselho Federal da Suíça destacou que “a mudança de status, de entidade com status de observador para a de um Estado observador, deve permitir a revitalização do conceito de solução de dois Estados na perspectiva de negociações de paz israelitas-palestinas”.

Os governos da Dinamarca, Noruega, Irlanda e da Áustria também se posicionaram a favor da mudança.

Já a Alemanha informou que irá se abster na votação, por considerar que a mudança não será benéfica para o processo de paz.

Críticas a Abbas

Israel pressionou pela não aprovação do status de “estado observador” para a Palestina com base nas dificuldades enfrentadas por Abbas no conflito recente em Gaza. O presidente da Autoridade Palestina governa desde 2007 apenas a Cisjordânia – naquele ano, o movimento islâmico Hamas assumiu o controle da Faixa de Gaza, com posições mais hostis em relação a Israel.

Apesar disso, o Hamas não é reconhecido internacionalmente, sendo considerado por algumas nações como organização “terrorista”.

A Autoridade Nacional Palestina, governada pelo Fatah, é o único grupo reconhecido pela comunidade internacional.