Nos últimos cinquenta anos, o Brasil vem investindo na cidade de São
José dos Campos (SP) para financiar o Centro Tecnológico da
Aeronáutica (CTA) e o Instituto de Tecnologia da Aeronáutica (ITA).
Uma rápida visita a São José dos Campos nos mostra os enormes
resultados desse investimento.
O IDH de São José dos Campos é de 0,849 — o 37omelhor entre as 5.564
cidades brasileiras. Além das dezenas de indústrias de alta
tecnologia, o resultado mais visível é a Embraer. No pátio de entrega,
aviões com logotipos de grandes empresas de aviação do mundo todo nos
passam a sensação de que o Brasil é um grande país.
Isso me faz comparar São José dos Campos com as cidades beneficiadas
por royalties do petróleo. Mesmo após décadas recebendo royalties, a
quase totalidade dessas cidades têm IDHs entre o 745oe o 4.178olugares
no ranking nacional. Isso porque parte desses recursos é usada em
gastos correntes, não em investimentos de longo prazo; e também por
causa da imigração de mão de obra, vinda em busca da renda do
petróleo.
O Rio tem todo o direito de exigir a manutenção dos royalties que
recebe, pois caso contrário haverá uma crise financeira no estado com
o qual o Brasil tem uma dívida, desde que transferiu a capital para
Brasília. O Rio nunca recebeu uma compensação por deixar de sediar a
capital da República. Mas é preciso pensar no que vai acontecer quando
o petróleo acabar. Há o sério risco de as crianças de hoje ainda não
estarem aposentadas quando o petróleo acabar, ou quando o preço do
petróleo despencar por força da crise ecológica ou do uso de fontes
renováveis de energia.
Enquanto defende suas finanças conjunturais, o Rio deve debater a
relação permanente entre o petróleo e as finanças públicas no Brasil:
não só quanto cada estado ou município vai receber, mas também como
aproveitar o petróleo para construir um país melhor. O fundamental não
é só garantir o royalty que vem do petróleo, mas o que fazer para que
os recursos financeiros que ele gera sejam permanentes.
E, nesse caso, o exemplo de São José dos Campos é marcante. A melhor
solução é promover a verdadeira fonte permanente de energia: a
inteligência humana. A mesma que hoje transforma a lama enterrada no
subsolo do mar em riqueza energética, e que um dia vai extrair energia
de fontes permanentes e ecologicamente limpas.
Pensando nisso, o senador Tasso Jereissati e eu apresentamos, no
Senado, um projeto de lei que, sem retirar os recursos que o Rio
recebe atualmente, vincula os recursos das novas reservas à melhoria,
em todo o Brasil, da Educação de Base — o maior gargalo ao
desenvolvimento científico e tecnológico. Em projeto mais recente,
defendo que esses recursos sejam distribuídos proporcionalmente ao
número de crianças na escola, em cada município e estado.
O Brasil estaria assim transformando uma fonte de energia esgotável em
fonte de energia permanente, e também distribuindo os recursos do
presente para o futuro. O Rio seria triplamente beneficiado: é o
estado com maior número de crianças na escola, depois de São Paulo;
reduziria a imigração, que pesa em seu orçamento; e construiria um
fluxo perene de recursos, que o petróleo não oferece.
Antes de aprovarmos a lei que vai definir o uso dos recursos do
petróleo, comparemos a aplicação dos royalties com os investimentos
feitos pela União em São José dos Campos, no CTA e no ITA. Sem tirar
os direitos adquiridos pelo Rio e demais unidades da federação com
suas antigas reservas, combinemos o pré-sal com o pós-petróleo.
Mais ou menos quando o ITA e o CTA começavam, o Brasil estava na
campanha “O petróleo é nosso”. De lá para cá, queimamos bilhões de
barris que nunca voltarão, que roubamos das gerações futuras. Hoje,
deveríamos dizer “o petróleo é das crianças”, porque ele deveria ser
usado para construir o Brasil do futuro, evitando a conhecida maldição
que o petróleo tem trazido a tantos países, que consomem suas reservas
e gastam seus recursos financiando despesas correntes voltadas para o
presente.
Cristovam Buarque é senador (PDT-DF).